Estudos sobre simbolismo

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Estudos sobre simbolismo

O reino da enteléquia

“A enteléquia é aquilo que, na natureza, preside à realização de todo o ser, qualquer que seja o reino a que pertença (mineral, vegetal ou animal); no domínio das produções do espírito e das que surgem da mão do homem, a enteléquia é, por exemplo, o que conduz o pintor, o poeta, o músico, o arquitecto, o erudito ou o artesão à plenitude da sua arte, da sua técnica ou da sua ciência; em todo encaminhamento iniciático, é aquilo que guia o recipiendário até a luz; em todo processo de cura, é o que reconduz o organismo doente ao seu equilíbrio natural. Agente de toda evolução e, ao mesmo tempo, resultado final dela, a enteléquia é a razão de ser do processo, e acha-se nele contida desde o início e em todo o decurso do seu desenvolvimento, assim como uma árvore esta inteiramente contida na sua semente e no seu fruto”. Bernard Rogers – Descobrindo a Alquimia, Círculo do Livro, 1988

Quem está familiarizado com a filosofia de Aristóteles, sabe o que significa o termo Enteléquia e certamente não vai estranhar a razão de termos feito a introdução deste estudo sobre o simbolismo maçónico com este conceito.

Este termo designa a energia que o Criador concedeu a todos os seres da natureza para levá-la à sua forma mais perfeita. Formada pelo prefixo en (o que está dentro), o substantivo télos (objectivo, realização, acabamento) e o radical do verbo ékhô,(trago em mim, possuo), o vocábulo grego entélékhéia significa a qualidade do ser que tem em si mesmo a capacidade de promover o seu próprio desenvolvimento. No ser humano pode ser entendida como a força que o leva a enriquecer o espírito através da aquisição do conhecimento e também a capacidade que o organismo humano tem de promover o seu próprio desenvolvimento em termos físicos.

Evidentemente temos consciência da dificuldade que a interpretação deste termo apresenta, pois refere-se a um conceito filosófico bastante complexo, que nem mesmo entre os estudiosos da filosofia aristotélica encontra muito consenso. Leibniz o utilizou para indicar as substâncias simples ou mónadas criadas, que contém certa perfeição ou auto-suficiência interna, o que as torna autónomas nas suas acções, ou na sua própria expressão, elas são “autómatos incorpóreos” (Monadas, 18). Na filosofia contemporânea, este termo é utilizado pelo biólogo Hans Driesch, que através dele justifica o seu conceito de vitalidade, presente nos seres vivos. Para este grande biólogo alemão, Enteléquia é o princípio da vida nos seres animados: equivale ao factor primordial, que se reduz a agentes físico-químicos como origem da actividade vital [1].

Na filosofia arcana, Reino de Enteléquia é uma expressão cunhada pelo filósofo alquimista Francois Rabelais, para designar o trabalho do discípulo de Hermes na procura da pedra filosofal. Na visão deste notável humanista o trabalho do alquimista, procurando penetrar nos mistérios da natureza através da manipulação dos minerais equivale a uma “viagem” por um reino misterioso de símbolos e expressões metafóricas, que somente a linguagem do inconsciente consegue descrever. Por isto, a saga do gigante Pantagruel na busca da Divina Garrafa é semelhante ás aventuras de Ulisses na procura do caminho de volta ao seu paraíso na ilha de Ítaca. A diferença é que enquanto a história de Ulisses reflecte o esforço humano na tentativa de retornar ao paraíso de onde foi expulso pelo pecado da guerra (como Adão no Éden, em consequência da sua desobediência), a do filho de Gargântua, pelo reino de Enteléquia, é uma tentativa de conquistar este reino que existe no seio da natureza, mas só se revela a uns pouco escolhidos [2]. Ambas, no entanto, reflectem este anseio da alma humana pelo encontro desse elo que nos liga à energia primordial do universo.

O que é Enteléquia

Como se pode intuir, este é um termo que já de inicio inspira uma série de especulações, tanto no campo das realidades físicas quanto espirituais. Grosso modo, se quisermos dar a este conceito uma amplitude que muitos poderão achar licenciosas, mas que nós consideramos perfeitamente cabíveis, diríamos que Enteléquia pode ser considerada como algo análogo ao nosso DNA, que na estrutura biológica dos seres humanos determina a conformação física que ele poderá adquirir na sua história de vida, e no terreno espiritual ao que chamamos de espirito, ou seja, aquela força que, internamente, movimenta o ser humano na sua actividade psíquica.

Enteléquia é, pois, o princípio da vida. Em todas as formas do ser – física ou espiritual- Enteléquia é a potência que o move para o seu fim e o realiza como parte constitutiva do todo universal. Em qualquer elemento da natureza, seja mineral, vegetal ou animal, existe este “programa” único, original e fundamental que o dirige e o conforma para uma finalidade pré-determinada pelo Grande Princípio que rege a formação das realidades universais. E ele que faz um mineral assumir a forma e a função que lhe cabe dentro do reino a que pertence; também informa as propriedades e as funções de cada organismo no reino vegetal ou animal. E por consequência preside igualmente as realizações do espírito, conduzindo o homem à plenitude da sua arte, da sua técnica ou ciência e das suas virtudes éticas e morais. Na física atómica poderia ser comparada ao chamado “Bossom de Higs”, ou seja, a famosa “Partícula de Deus”, que recentemente os cientistas de Genebra alegam ter conseguido isolar.

A Maçonaria e a Enteléquia

Também é pela energia da Enteléquia que o organismo do doente recupera o seu equilíbrio natural, reconduzindo-o à saúde; e no terreno das realidades espirituais é o que leva o iniciado, o recipiendário das verdades iniciáticas, à luz da iluminação.

De uma forma geral, o espírito humano tem despendido muita energia na tarefa de descobrir qual é o princípio que rege a vida do universo. Os cientistas o procuram no infinitamente pequeno, estudando a estrutura e o comportamento das mais ínfimas partículas da matéria física. Os espiritualistas o perseguem nas relações que a nossa mente estabelece com o mundo das realidades subtis. Mas de qualquer forma, todo conhecimento é visto como resultado da busca deste Tesouro Arcano, que embora oculto ao vulgo, se manifesta nas realizações de todos os seres da natureza e se desvela aos puros de coração, que o buscam não com finalidades egoístas, mas com verdadeiro ideal de espírito.

No nosso entender, não é outra coisa que todo indivíduo busca, seja na liturgia das religiões ortodoxas, seja na prática iniciática de grupos pára religiosos, que através das suas místicas concepções filosóficas e rituais, procuram penetrar no território das realidades não acessíveis ao pensamento conceptual.

Cremos não estar a dizer nenhum impropério se afirmarmos que todo Maçon, ao ser iniciado nos Augustos Mistérios da Arte Real, está na verdade penetrando no Reino de Enteléquia. Mas para poder usufruir de todas as belezas que este reino concentra será necessário que ele se dispa das suas roupagens críticas e da sua armadura lógica. Nele há de viajar somente com o seu espírito, como faz a menina Alice no País das Maravilhas. Pois tudo nele é metáfora, símbolo, alegoria, analogia, enfim, estruturas arquetípicas que estão na base do Inconsciente Colectivo da Humanidade e são trazidos para o mundo das nossas realidades quotidianas através desses artifícios linguísticos. E nelas, estas estruturas transformam-se em crenças, mitos, lendas, alegorias e outros folclores que a nossa mente utiliza, para traduzir em linguagem aquilo que só a sabedoria do espírito consegue entender.

Como faziam os nossos antigos irmãos alquimistas, os verdadeiros maçons também andam em busca da sua pedra filosofal. Da mesma forma que na antiga Arte dos Adeptos, são poucos o que a encontram. Mas isto não quer dizer que ela não exista. E foi para os irmãos que acreditam na existência deste maravilhoso Tesouro Arcano que nós fizemos este trabalho. Vamos procurá-lo nas estruturas arquetípicas da mente humana, uma das quais, a maçonaria, é um verdadeiro arsenal de referências simbólicas que nos liga a este Princípio fundamental da nossa vida individual e corporativa.

João Anatalino Rodrigues

Notas

[1] Driesch – Teoria Analítica do Desenvolvimento do Organismo, 1912.

[2] Rabelais – As Aventuras de Gargântua e Pantagruel, Clube do Livro, 1978.

Fonte: freemason.pt

By | 2020-01-16T14:57:47-03:00 janeiro 17th, 2020|Notícias|Comentários desativados em Estudos sobre simbolismo