Porque é que as Lojas Maçônicas são “Lojas de S. João”

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Porque é que as Lojas Maçônicas são “Lojas de S. João”

Um simbolismo interessante é aquele que associa as diferentes fases do ensinamento maçónico joão com certas cores, denotando aqui mais uma influência do magistério de Hermes. Sabe-se que as fases do processo de obtenção da pedra filosofal são reconhecidas pelas cores que a matéria prima apresenta. Em cada uma dessas fases é a cor dessa matéria que indica se o alquimista está ou não no caminho certo. Da mesma forma, em cada uma das fases da aprendizagem maçónica o iniciado frequentará uma Loja da Maçonaria azul, branca ou vermelha, indicativa do desenvolvimento filosófico que ostenta. Essas reuniões, em sociedades iniciáticas similares, são conhecidas como capítulos, ou graus.

Maçonaria azul é a denominação dada as chamadas Lojas simbólicas, onde se praticam os três primeiros graus: aprendiz, companheiro e mestre. O Rito Escocês Antigo e Aceite chama a estas Lojas, Lojas de S. João. Não se sabe exactamente qual é o S. João que patrocina a Maçonaria azul. Alguns autores afirmam ser o S. João Evangelista, outros dizem ser o Baptista. Há os que dizem ser o S. João “Esmoler”, fundador da Ordem do Hospital de S. João, durante as Cruzadas.

Esta crença foi disseminada principalmente pelo Maçon André Michel de Ramsay, que no seu famoso discurso, feito em 1736 para os maçons franceses, afirmou a existência de uma interacção entre a Maçonaria e os cavaleiros membros do Hospital de S. João, ocorrida por ocasião da primeira Cruzada. “Certo tempo depois, a nossa Ordem uniu-se com os Cavaleiros de S. João de Jerusalém”, diz Ramsay:

“Desde então, as nossas Lojas todas trouxeram o nome de Lojas de S. João. Esta união foi feita a exemplo dos israelitas quando construíram o Segundo Templo. Enquanto manipulavam a trolha e a argamassa com uma mão, traziam na outra o escudo e a espada” [1].

Ele não diz quem era este S. João, mas não é difícil descobrir, pois quem fundou a Ordem dos Cavaleiros de S. João, conhecida como Ordem dos Hospitalários, foi exactamente o S. João “Esmoler”, filho do rei de Rodes, que se deslocou para a Terra Santa junto com a primeira Cruzada para ali servir como monge. Quanto ao S. João Evangelista, o seu patrocínio só aparece na Maçonaria a partir da introdução dos temas gnósticos nos seus ritos, ocorridos a partir do advento da transição do operativo para o especulativo. S. João Evangelista é um santo de grande prestígio entre os autores esotéricos.

Ele é tido como verdadeiro introdutor da gnose cristã na Bíblia. O seu evangelho é francamente inspirado em temas gnósticos e cabalísticos, e a ser verdadeiro que ele também é o autor do Apocalipse, então não há qualquer dúvida que ele foi, realmente, um pensador formado naquela escola, já que este livro foi claramente escrito sob a inspiração dessas duas disciplinas.

As alusões a S. João Baptista, porém, já são mais antigas. Elas já aparecem nas tradições maçónicas medievais, nas quais este santo era homenageado com grandes festas. Na Escócia, segundo informa Jean Palou, a festa de S. João Evangelista era celebrada pelos maçons escoceses em 27 de Dezembro, época em que se escolhiam o supervisor da guilda (Venerável Mestre), os seus diáconos e oficiais para presidirem à Loja. S. João Baptista também é um personagem muito venerado entre os filósofos gnósticos. Para algumas seitas praticantes dessa doutrina, inclusive, ele seria o verdadeiro Messias, e não Jesus, como pregam os Evangelhos canónicos [2].

Para os discípulos de Hermes (os alquimistas), a história de S. João Baptista é uma alegoria de grande significado. Como “precursor” da Grande Obra de redenção universal, realizada por Jesus, ele simboliza o “mediador, aquele que tem a missão de “abrir” a porta da iniciação, da mesma forma que o vitríolo filosófico no trabalho dos alquimistas. Por isso, na iconografia alquímica, esse composto é representado por uma caveira num prato de prata, significando que é preciso o sacrifício dessa matéria para que a bela Salomé (símbolo da natureza), possa apresentar-se ao adepto em toda a sua deslumbrante nudez. Salomé, como sabemos, foi a dançarina responsável pela execução de João Baptista ao pedir a cabeça do profeta ao rei Herodes.

Daí a razão de alguns autores maçons justificarem a escolha de S. João Baptista para patrocinador das Lojas simbólicas. Ela tem a sua fundamentação em temas alquímicos. Este santo, que provavelmente foi membro da seita dos essénios, é considerado pelos autores esotéricos um mediador entre as duas estruturas cósmicas, representadas pelas suas partes material e espiritual. Ele preside também, na tradição romântica dos povos ocidentais, a união dos cônjuges, quando esta se consuma na noite a ele consagrada (24 de Junho).

Para a Maçonaria, a tradição de invocar este santo como patrocinador da sua arte, teria o condão de despertar a sua mediação para a realização da transmutação do carácter profano do neófito, para o estado de consciência superior que caracteriza o iniciado. Esta ideia é interessante porquanto S. João Baptista é o introdutor do cristianismo. Foi ele o “mestre” que iniciou Jesus. Na verdade, foi ele também que rompeu com as velhas estruturas do judaísmo, inaugurando uma nova era teológica, na qual o Deus de Israel deixou de ser um deus local, confinado a um povo, para ser um Deus universal, pai de toda a criação.

João Baptista, com o seu baptismo em água, antecedeu o baptismo em fogo que Jesus traria em seguida. Observe-se que essa simbologia foi apropriada na iniciação maçónica, na qual o iniciando é purificado primeiro pela água e depois pelo fogo. Neste simbolismo também se pode identificar o processo alquímico operatório, pois a “matéria prima da obra” não pode ser levada ao fogo antes de ser convenientemente purificada pela água. Aqui está, como se vê, mais um legado dos alquimistas à Arte Real.

Por fim, é interessante registar que não importa saber qual dos três santos é o verdadeiro patrono da Maçonaria. Seja qual for o escolhido, todos tiveram mérito suficiente nas suas vidas para receber essa homenagem. S. João, o Esmoler, ao fundar a Ordem de S. João do Hospital, deixou um dos maiores legados que um homem pode deixar à humanidade. Pois a Ordem dos Hospitalários foi a responsável pela fundação dos hospitais filantrópicos que ainda hoje servem ao povo de baixa renda em vários países do mundo. Esta Ordem, que nos dias actuais é conhecida como Ordem dos Cavaleiros de Malta deu origem às nossas conhecidas Santas Casas de Misericórdia e à Cruz Vermelha. Embora hoje estas instituições não estejam mais ligadas aos Cavaleiros de Malta (antigos hospitalários), foi dessa celuma mater que elas nasceram. Por isso as Lojas Maçónicas ainda consagram, até hoje, a tradição de manter um “Irmão Hospitaleiro” entre os oficiais da Loja para recolher as contribuições para o “Hospital”.

Quanto aos outros dois “S. João”, o Baptista e o Evangelista, as suas histórias são bem conhecidas e não é necessário referi-las aqui. Seja qual for o nosso santo padroeiro, que ele nos ilumine e proteja, para que as Lojas de S. João prosperem e cumpram, de facto, a missão pela qual elas foram criadas.

João Anatalino Rodrigues

Notas

[1] Jean Palou – A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática, pg. 72.

[2] A seita dos mandeanos, que sobrevive em algumas regiões da Pérsia, ainda conserva a tradição que faz de João Baptista o verdadeiro Messias de Israel.

 

Fonte: freemason.pt

By | 2020-01-31T12:12:46-03:00 fevereiro 5th, 2020|Notícias|Comentários desativados em Porque é que as Lojas Maçônicas são “Lojas de S. João”