O Conceito de Grande Arquitecto do Universo

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O Conceito de Grande Arquitecto do Universo

A criação e divulgação da expressão – G∴ A∴ D∴ U∴ – ainda que seja atribuída, por muitos, à Maçonaria, o facto é que ela é bastante mais antiga.

Morenz [2], um célebre egiptólogo alemão, ainda que controverso, no seu livro acerca da religião egípcia – coloca estas palavras na boca do sábio Amenopop: …O Homem é argila e palha. Deus é o chefe da Obra. Ele constrói e destrói todos os dias.

Fácil será verificar, nesta frase, a similitude com a criação e a morte física do Homem… Lembra-te Homem que és pó e ao pó voltarás...

No Livro de Job (JB 38 4-6), Javé, o Deus do Antigo Testamento, igualmente pode ser identificado como um Arquitecto, quando elabora este conjunto de perguntas: …Onde é que te encontravas, quando eu fundava a Terra? Faz-me sabê-lo, se tens inteligência…. Quem lhe pôs as medidas, se é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela a corda…. Sobre em quê é que estão fundadas as suas bases, ou quem assentou a sua pedra de esquina?

Igualmente se encontram nestas questões uma ligação (Publicado em freemason.pt) aos instrumentos simbólicos do trabalho maçónico.

Jesus Cristo, dias antes de morrer, por altura da Páscoa, e em nome do Pai, também se refere que pode destruir o Templo de Jerusalém e o reconstruir em 3 dias.

Já mais tarde, por altura da segunda fase da Reforma Protestante e tomando como ponto de partida aquilo que Lutero defendera na Alemanha, João Calvino, no seu livro L’Institution de la Religion Chrétienne, que seria publicado em 1536, pela 1ª vez, em Genebra [3], chama a Deus, por várias vezes, Grande Arquitecto ou Arquitecto do Universo. Ainda que o calvinismo tivesse tido influência na Reforma Suíça, a mesma não seguiu as pisadas iniciais do luteranismo, tal como Calvino, mas sim as orientações do suíço Ulrico Zuínglio ou Huldreych Zwingli.

Para Calvino, profundo conhecedor da Bíblia, a justificação da existência de Deus era desnecessária. A sua evidência estava na própria natureza do Homem (…todo o homem é pecador por natureza… a salvação é concedida por Deus para as pessoas eleitas…) bem como na sua complexidade e inteligência… A natureza, por Deus construída, é a imagem visível de Deus invisível. Por isso, não há necessidade de se ter uma imagem que represente Deus, porque a própria natureza prova a sua existência. Daí o ter defendido que… o culto religioso deve ser feito em local simples e sem imagens…

Philibert de L’Orme [4], um arquitecto francês proveniente de uma família de construtores, e um dos grandes mestres do Renascimento, que estudara em Itália, e tendo por isso estado ao serviço do Papa Paulo III, publica, em 1567, no seu Tratado Completo da Arte de Construirque… a integridade da arte do traçado provinha de um saber transmitido em segredo, no âmbito das corporações dos construtores... O que é interessante, é que para De L’ Orme, que chega a romper com a tradição dos Mestres Construtores de Catedrais franceses, o Homem não é um ser criador. A Criação é exclusiva de Deus –… só Deus é o Grande Arquitecto do Universo, enquanto Senhor da Criação.

Esta expressão será igualmente usada pelo astrónomo alemão, Johannes Kepler [5], no final do séc. XVI, em 1596, no seu Mysterium Cosmographicum publicado na Universidade de Tübingen. Na sua exposição, Kepler pensa ter revelado o plano geométrico de Deus para o Universo quando afirma –… o Universo, em si (Publicado em freemason.pt) mesmo, é uma imagem de Deus, em que o Sol corresponde ao Pai, a Esfera Estelar ao Filho e o Espaço entre os corpos estelares ao Espírito Santo. Grande parte da assimilação ou interpretação que Kepler fez do modelo de Nicolau Copérnico, está ligada às suas convicções religiosas acerca da relação entre o mundo físico e o espiritual. Para ele… Deus omnipotente é o Criador e Organizador do Céu e da Terra.

No Mysterium existe igualmente um extenso capítulo, em que Kepler procura fazer a ligação do heliocentrismo com as passagens bíblicas assentes no geocentrismo.

Deste modo se constata que, muitos anos antes das Constituições de Anderson serem dadas à estampa, em 1723, seis após a fundação da Grande Loja de Inglaterra, a designação de G∴ A∴ D∴ U∴ era já um facto conceptual estabelecido, ainda que disperso nos rendilhados das abordagens quanto ao Princípio de todos os Princípios, e em especial o da Antropogénese.

Se, por um lado, se pode atribuir a estas Constituições o apadrinhamento designativo e divulgativo do termo, por outro, não deixa de ser curioso o facto desta designação – G∴ A∴ D∴ U∴ – só aparecer escrita uma única vez no seu preâmbulo. Na primeira obrigação/preceito das Constituições, verifica-se que a mesma diz respeito a Deus e à religião, e não ao G∴ A∴ D∴ U∴.

A este propósito, Charles Porset, citado por Robert Kalbach [6], estranha igualmente que a invocação do G∴ A∴ D∴ U∴ prime pela sua ausência nas actas da Grande Loja de Londres, onde seria expectável a sua existência.

Muito provavelmente, esta situação pode dever-se ao facto de, quer no séc. XVII, como no início do séc. XVIII, os primeiros maçons serem todos, ou quase todos, cristãos – católicos ou protestantes. Daí, a razão de os antigos manuscritos maçónicos utilizarem muito raramente a expressão de G∴ A∴ D∴ U∴, preferindo ou mantendo a designação de Deus.

Tendo por base vários textos, pode concluir-se que, até à criação da Grande Loja de Londres (1717), a maçonaria britânica se orientaria pelos cânones da Religião Cristã ou, até mesmo, da Igreja Católica Romana, tal como se encontra plasmado nos Deveres que as Lojas continham [7] – The Old Charges – onde é invocado Deus, e a Trilogia Sagrada. No próprio manuscrito de Dumfries (1710), onde se ensina as sete artes liberais, a começar pela Aritmética, seguida da Gramática e da Retórica, fundidas com as demais na Geometria, é referido várias vezes – Nosso Senhor Jesus Cristo – …e que o aprendiz maçon deve ser fiel a Deus e à Santa Igreja Católica.

Por razões que se desconhece, no início dos anos 20 do séc. XVIII, ter-se-á dado uma vandalização dos arquivos das Lojas de Inglaterra, tendo subsistido, apenas, a nova carta da Maçonaria Moderna, designada pelas Constituições de Anderson, publicadas, como se disse, em 1723, e redigidas por 2 pastores protestantes – James Anderson e Teóphilus Desaguliers. Neste texto já não se encontra a menor referencia a Deus nem ao cristianismo, chegando a afirmar-se (Anderson) –… que no cume da glória de Roma, no reinado de César Augusto, nasce o Messias, o Grande Arquitecto da Igreja e do Mundo. Adivinhava-se, então, uma rotura conceptual, relativamente aos Old Charges ou Antigos Deveres, compostos por vários documentos e manuscritos – D. Regius de 1390; Mscrpto. de Cook 1410; Mscrpto. da Grand Lodge nº1, de 1583; Mscrpto. de William Watson, de 1687; Mscrpto. de Dumfries de 1710 – que viria até aos dias de hoje.

Só para se fazer uma ideia, enquanto que no Mscrpto. de Dumfries, o mais recente dos Antigos, se encontram escritas (Jonh Dee ?[7] as seguintes advertências –… o maçon não deve ser tentado pela idolatria, mas honrar e adorar sinceramente o Grande Arquitecto do Céu e da Terra, fonte e origem de todo o Bem… e que deu ao Homem o meio de medir a sua omnipotência, com maior exactidão da sua inteligência, para que tenha ainda mais horror ao ofendê-lo… – já nas Constituições de 1723, no seu Art.º 1º se afirma que – um maçon é obrigado, pela sua condição, a obedecer à lei moral, e que, se compreender bem a Arte, nunca será um ateu estúpido nem um libertino irreligioso…

Para Anderson e outros maçons só existia uma única obrigação religiosa – que era a de seguir …aquela religião, sobre a qual todos os homens estão de acordo – serem homens de bem e leais, e homens de honra e probidade.

Na verdade, nas Constituições de Anderson já não se faz a evocação a Deus, nem é mencionada a catequese acerca do Pecado Original, e da Vida Celestial para além da Morte, nem tão pouco a existência do Inferno. Apenas se assume a existência de uma (nova) moral humana muito “abrangente”, no dizer de Kolbach [6]. Mas a pedra de toque do conflito com a Igreja Católica, assim como com outras religiões, prende-se com o facto de as Constituições irem no sentido de que nenhuma religião seria mais verdadeira (Publicado em freemason.pt)do que as outras, ou seja, no caso vertente do Catolicismo Apostólico Romano, o mesmo deixaria de constituir a única verdade estabelecida, uma vez que, do ponto de vista maçónico, todas as religiões estariam em pé de igualdade.

Claro que as condenações a esta posição não se fizeram esperar. A primeira surge em 1738, por Clemente XII, com a bula “In Eminenti Apostulatus Specula”; a que se seguiu Bento XIV, em 1751, com a encíclica “Providas”; e Leão XIII, em 1884, com a encíclica “Humanum Genus”. Ainda, em termos do Direito Canónico, em 1917, é expresso que, qualquer católico que pertencesse a uma loja maçónica, seria imediatamente excomungado. Esta interdição será reiterada, em 1981, pelo então cardeal Ratzinger, e em 2007, já como Papa.

Mas não foi somente o Vaticano a demonizar a Maçonaria. Algumas confissões protestantes, como a Metodista, a Baptista, de entre outras, afirmaram que era incompatível a pertença dos seus fiéis à Maçonaria.

Os muçulmanos só mais recentemente aderiram às críticas, impondo, inclusivamente, “fatwas”, em que era proibido a pertença à maçonaria por parte dos seus crentes [6]. Felizmente que os países menos radicais não aderiram – caso de Marrocos, da Tunísia e da Turquia.

Na 2ª metade do séc. XVIII e na 1ª do séc. XIX, quando a Maçonaria se abre aos praticantes de outras religiões e a outras concepções [7], particularmente as deístas, que a expressão G∴ A∴ D∴ U∴ é então cada vez mais utilizada, substituindo a palavra Deus.

As Constituições de Anderson tiveram, desde a sua concepção, vários tipos de adaptações e de traduções, chegando, por via disso, a serem recusadas por certas obediências, como a da Grande Loja de Berlim, em 1770.

Um processo idêntico veio a desenvolver-se na Grande Loja dos Antigos (1751-1813), rival da Grande Loja de Londres, baptizada pelos primeiros como a Loja dos Modernos.

Ora nestes primeiros tempos, diga-se em abono da verdade, a abordagem da questão religiosa, na literatura e no pensamento maçónico do séc. XVIII, era, de certa forma, um pouco confusa, porquanto tanto se afirmava que – o maçom deve praticar a religião do seu país – o que, equivalia, ao tempo, dizer – pertencer a, ou ser crente de, uma religião cristã – como… “mas como bom noaquita pode alargar a escolha aos outros monoteísmos históricos, como o judaísmo…

Anos mais tarde, com a união entre os Antigos e os Modernos, em 1813, dando corpo à Grande Loja Unida de Inglaterra, o Artigo 1º passa a ter a seguinte redacção…. Seja qual for a religião do homem, ou a sua prática de culto, não é excluído da Ordem, desde que creia no Glorioso Arquitecto do Céu e da Terra… Esta redacção era, de certa forma, mais aberta e pretendia fazer uma ponte entre o que era defendido pelos Antigos – a crença em um Criador – e o que era pretendido pelos Modernos.

Trata-se, na verdade, de uma necessidade de, nessa altura, estender o cor conceptio maçónico a um campo mais vasto do que o cristão, que fosse efectivamente comum às Religiões do Livro.

Apesar deste aparente corte com o cristianismo britânico, houve um agudizar de posições, em 1849, com o Grande Oriente de França, devido à redacção de concepção liberal do seu 1º Artigo dos Deveres, quanto à crença no G∴ A∴ D∴ U∴.

A polémica estava então lançada, tanto assim que, em 1875, o Congresso de Lausanne declarava que a Maçonaria tinha por doutrina o reconhecimento de uma Força Superior da qual proclama a sua existência com o nome de G∴ A∴ D∴ U∴. Contudo, esta pronunciação, que pretendia acalmar os ânimos e estabelecer um fio condutor à Ordem, acabou por agudizar ainda mais a questão, relativamente a algumas das obediências que já tinham suprimido a referência obrigatória ao G∴ A∴ D∴ U∴ como os GG∴ OO∴ da Bélgica, em 1872, da Itália, em 1874, a que se seguiria, mais tarde, o da França, em 1877 [8].

Perante estes dados, e sobretudo por causa da França, surge do outro lado da Mancha uma reacção, não tanto de cariz místico-filosófica, mas mais de timbre político, da G∴ L∴ U∴ de Inglaterra que, indo mais longe, recusa, a partir desse momento, reconhecer como autênticos II∴, aqueles que tivessem sido iniciados em Lojas que negassem ou ignorassem a crença no G∴ A∴ D∴ U∴.

Ainda que o Universo Maçónico não se tivesse cindido, o facto é que as obediências britânicas se recusaram, então, a reconhecer várias obediências como regulares. Entretanto, os americanos, com uma política de maior latitude, mantiveram várias formas de reconhecimento, incluindo outras obediências mais “liberais”.

De toda esta problemática de posições conceptuais, acaba por surgir a criação de outros ritos, ou Organizações Maçónicas, como o R∴ E∴ R∴, o R∴ E∴ A∴ A∴, a par da existência, no sul da Europa e na América Latina, de uma manta de retalhos de obediências. Concomitantemente, na Ásia, as obediências britânicas, tendo que engolir, muito provavelmente alguns sapos, ao dar o dito por não dito, apesar de muito debilmente, começavam a dar provas de maior abertura, chegando ao ponto de se poder oficiar, no mesmo Templo, com 7 Livros Sagrados: as duas Bíblias – a cristã e a judaica – o Alcorão, o Dhammapada dos Budistas, o Bhagavad-Gita hinduísta, o Avesta Zenda Zoroastrista…

Em 1929, a G∴ L∴ U∴ de Inglaterra volta a manifestar-se, desta vez contra a recém Aliança Maçónica Internacional, criada em Genebra, em 1921, com o patrocínio de 41 obediências americanas e europeias, ao apresentar os 8 princípios básicos para o (Publicado em freemason.pt) reconhecimento de uma G∴ L∴. De entre os mesmos, no seu ponto 2, era afirmado que o seu reconhecimento estava dependente da crença no G∴ A∴ D∴ U∴ e na sua vontade revelada.

Apesar da AMI ter sido criada em Genebra, a G∴ L∴ Alpina pronuncia-se a favor da G∴ L∴ U∴ de Inglaterra, a favor da invocação do G∴ A∴ D∴ U∴ e a presença do Livro Sagrado nos Trabalhos Rituais. Esta posição iria levar, mais tarde, já em 1950, à auto-dissolução da AMI.

Neste caldo maçónico hodierno e cheio de ondulações, existem, como se pôde constatar, inúmeras posturas sobre a questão do G∴ A∴ D∴ U. Ainda que, simbolisticamente, haja um somatório de representações ou de interpretações, relativamente ao conceito, e ao contrário do que alguns pretendem demonstrar, o mesmo é bastante lato e, por isso mesmo, representa um verdadeiro factor de União, de Fraternidade, de reconhecimento mútuo da Razão entre os Homens de Bem.

Permitam-me, então que, ao finalizar esta prancha, Vos proponha uma prece que bem espelha a dimensão do G∴ A∴ D∴ U∴, assente naquela descrita por vários autores, como tendo sido publicada em 1760, na Irlanda, na Three Distinct Knocks:

Ao Senhor Deus Grande e Universal Masson do Mundo e primeiro construtor do Homem, como se ele fosse um Templo, que nos ajude nos nossos trabalhos de embelezamento desse Templo, para que a Sociedade possa atingir a Catedral da Paz, da Harmonia e da Fraternidade.

Disse

Um Mestre Maçon da GLLP/GLRP

Notas e Bibliografia

[1] Viswakarma é igualmente considerado como Brahma de cujo umbigo emanariam todas as coisas visíveis e que ajudou Tvashtar – a sua forma ou criação de poder visível – a criar os Reinos do Céu e da Terra.

[2] Morentz, S. (1992): Egyptian Religion, Cornell University Press 380 pp

[3] João Calvino era inicialmente católico, tendo-se convertido ao luteranismo em 1533. Tendo sido posteriormente perseguido em França refugiou-se em Genebra em 1536. Para além de Instituição da religião Cristã publicou mais 3 obras.

[4] Encyclopoaedia Britannica: Philibert de L’Orme. Consultar igualmente Pauwells, Y (2008): Aux Marges de la Règle. Essai sur les Ordres d’Architecture à la Renaissance. Warve Mardaga.

[5] Voelkel, J. R (1999): Johannes Kepler and the New Astronomy, Oxford University Press, 1999 144pp. Johannes Kepler texto da AMES Research Center da NASA

[6] Kalbach, R. (2012): O Grande Arquitecto do Universo, do símbolo à fractura. Campo da Comunicação.182 pp.

[7] Négrier, P. (1996).Textes fondateurs de la Tradition maçonnique 1390-1760. Introduction à la pensée de la franc-maçonnerie primitive. Les Ecritures Sacrés, París, Bernard Grasset, 381pp .

[8] Kinney, J. (2010): O Mito Maçónico. Edições Saída de Emergência.287pp.

Fonte: freemason.pt

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