Não devo ter medo. O medo é o assassino da mente. Medo é a pequena morte que traz obliteração total. Eu devo enfrentar o meu medo. Permitirei que passe sobre mim e através de mim. E quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver o seu caminho. Para onde foi o medo, não haverá nada. Só eu vou ficar.
Frank Herbert, Dune
Na nossa juventude, criticámos a injustiça do mundo. Ao desenvolver as nossas filosofias, também desenvolvemos os nossos medos. Num recente grupo de discussão sobre simbolismo específico da Maçonaria, a pergunta foi feita: como nos livramos dos medos, que são realmente falsos deuses? Uma pessoa postulou que o medo é o que motiva o comportamento negativo. Outro postulou que o medo motiva todo o comportamento. Após muita discussão, não chegámos a uma conclusão sólida sobre como mitigar o medo.
O medo é a sensação desagradável causada pela crença de que alguém ou algo é perigoso, ameaçador ou propenso a causar dor. Esta definição está cheia de oportunidades para dissecação, para separar os pedaços que criam razões filosóficas de medo.
Antes de tudo, é uma sensação desagradável, e os seres humanos odeiam sentimentos desagradáveis. Ninguém realmente se quer sentir nojento e, no entanto, este sentimento (Publicado em freemason.pt) de nojo é construído sobre uma crença – não é necessariamente baseado num facto ou razão. É simplesmente uma crença. Por definição, uma crença é uma “confiança, fé, ou confiança em alguma coisa”. Desmontado e novamente montado, podemos dizer que o medo é um sentimento nojento causado por uma confiança, fé ou confiança de que alguém ou algo está disposto a causar algum tipo de dano à nossa pessoa, às nossas conexões ou, talvez, ao nosso modo de vida.
Esta explicação não é para banalizar o medo, ou algumas das principais manifestações do medo, como a síndrome do stress pós-traumático. Isto é simplesmente para discutir medos comuns que a maioria, se não todos, experimentamos. Os medos são fundados? Alguns sim. Outros, talvez não. Diante de um desastre imediato, o medo é certamente apropriado. Sigmund Freud disse, sobre medo real vs. medo neurótico:
Vai-me entender com facilidade quando eu chamar a este medo, medo real, em contraste com o medo neurótico. O medo real parece bastante racional e compreensível para nós. Podemos testemunhar que é uma reacção à percepção de perigo externo, a saber, dano que é esperado e previsto. Está relacionado com o reflexo de fuga e pode ser considerado uma expressão do instinto de auto preservação. E assim, as ocasiões, isto é, os objectos e as situações que despertam medo, dependerão amplamente do nosso conhecimento e do nosso sentimento de poder sobre o mundo exterior…
Prosseguindo agora para o medo neurótico, quais são suas manifestações e condições …? Em primeiro lugar, encontramos uma condição geral de ansiedade, como uma condição de medo flutuante, pronta para se apegar a qualquer ideia apropriada, influenciar o julgamento, gerar expectativas, de facto aproveitar qualquer oportunidade para se fazer sentir. Chamamos a esta condição “medo expectante” ou “expectativa ansiosa”. As pessoas que sofrem deste tipo de medo sempre profetizam a mais terrível de todas as possibilidades, interpretam toda coincidência como um presságio do mal e atribuem um significado terrível a toda a incerteza. Muitas pessoas que não podem ser denominadas doentes mostram esta tendência a antecipar um desastre.
Ou seja, o medo é simplesmente a falta de sentimento de poder sobre o nosso mundo, seja causado por um tornado que se aproxima ou por sentimentos de inadequação. O que nos preocupa aqui é o que Freud chamou de medos neuróticos. No entanto, a base para as nossas reacções, essa falta de controle, provém do mesmo processo de sobrevivência de “luta de fuga”. Ambos têm as suas raízes no controle.
Uma vez foi-me explicado que todos os vícios – Preguiça, Inveja, Ganância, Avareza, Gula, Orgulho e Luxúria – são todos manifestações de medo. Aristóteles, na ética de Nichomachaen, fez declarações semelhantes – explicando que virtudes e vícios eram um espectro, e deficiências eram as expressões dos fins do espectro. Os cursos de administração em muitos lugares falam sobre como lidar com o medo dos funcionários com algumas dessas mesmas técnicas, mas, novamente, ninguém chega ao fundo de como lidar com o medo de frente. Então, sabemos o que pode ser o medo e como ele se manifesta, mas como é que realmente lidamos com ele?
Quando era jovem, li uma série de livros baseados n’ “Os ensinamentos de Michael”. Estes ensinamentos são pensamentos canalizados sobre a vida e o viver, como e por que as pessoas fazem o que fazem e as relações humanas em geral. Um aspecto que retive tinha a ver com medos. Muitas pessoas têm uma atitude negativa dominante que devem superar nas suas vidas.
Alguns exemplos destes são:
- Auto depreciação,
- Auto destruição,
- martírio,
- teimosia,
- ganância,
- impaciência e
- arrogância
Muitos de nós passamos por tudo isto em algum momento das nossas vidas, mas, em geral, limitamo-nos a um (talvez dois) quando estamos cansados, deprimidos, nos quando nos sentimos sobrecarregados ou simplesmente não a funcionar no máximo. Quando a nossa sensação de conforto, a nossa criança interior, é atacada ou se sente vulnerável, recorremos a estas atitudes que são realmente manifestações de medo.
Elas nascem da nossa infância e são ali colocadas pelas nossas reacções ao ambiente e às experiências. Cada um desses blocos é baseado num medo muito específico e pode ser superado com esforço consciente. Estas são as atitudes negativas dominantes com o seu espectro de manifestação, para usar a ideia de Aristóteles de uma escala móvel de virtudes e vícios.
- Auto depreciação é o medo de não ser bom o suficiente – manifesta-se como Humildade (positiva) e Auto-Humilhação (negativa).
- Ganância é o medo de não ter o suficiente – manifesta-se como Egoísmo | Desejo (positivo) e Voracidade | Gula (negativa).
- Auto destruição é o medo de perder o controle – manifesta-se como Auto-Sacrifício (positivo) a Suicídio | Imolação (negativo).
- O Martírio é o medo de não ser digno – manifesta-se como Desprendimento (positivo) ou Mentalidade de Vítima (negativa).
- A Teimosia é um medo de mudança, de novas situações – manifesta-se como Vontade | Determinação (positiva) a Obstinação (negativa).
- Impaciência é o medo de não agarrar ou perder oportunidades – manifesta-se como Audácia (positiva) a Intolerância (negativa).
- Arrogância é o medo de ser vulnerável – manifesta-se como Orgulho (positivo) a Vaidade (negativo).
Examinando mais profundamente o nosso próprio comportamento, pode ser mais fácil ver como uma reacção a uma situação ou outra se relaciona com uma dessas atitudes negativas e ao medo que as fundamentam. Quando alguém se orgulha de um trabalho bem feito e acredita que o trabalho foi o melhor que alguém já viu, pode haver algum medo a acontecer ali. Esta linha que separa os dois extremos pode ser diferente para pessoas diferentes, e é claro que todos temos níveis diferentes de tolerância e capacidade de processar reacções quando encontramos medo. Quando começamos a investigar para além da superfície da nossa própria psique, a introspecção revela, talvez, aquelas atitudes negativas baseadas em experiências da infância.
As crianças criam, dependendo da experiência ambiental e das tendências pessoais, visões distorcidas do mundo. Todos criamos estas distorções (grandes e pequenas) e elas acabam por eventualmente ser tornar os nossos mitos pessoais. Exemplos: “Sou feio”, “Sou burro” ou “Não vou comer hoje à noite”. Situações repetidas ou eventos traumáticos reforçam esse mito. Impulsionada por um medo profundamente enraizado e dirigida por uma visão de mundo distorcida, a atitude negativa emergente e dominante entra em acção nas suas vidas, até à idade adulta.
A criança pode pensar, por exemplo: “Vou parar a vida de sofrer, controlando a minha dor. Vou-me magoar mais do que qualquer outra pessoa”. A estratégia de sobrevivência escolhida pela criança envolve algum tipo de conflito, uma guerra contra si mesmo, contra os outros ou contra a vida. É um padrão de comportamento defensivo que parece irracional do lado de fora, mas da perspectiva da criança é perfeitamente racional. À medida que amadurecemos, devemos abordar estas atitudes negativas dominantes ou elas ameaçarão qualquer possibilidade de auto-aperfeiçoamento. Elas escondem a nossa verdadeira natureza.
Extraído de, The Michael Teachings
Quando alguém ataca, a mim ou aos outros, acredito que a razão é sempre o medo. O medo não é o motivador de todas as actividades que fazemos. Parece sempre, porém, que o medo é o núcleo de comportamentos verdadeiramente negativos e destrutivos. Ódio, mentiras e fanatismo são verdadeiras reacções e atitudes baseadas no medo. Ao lidar com estas reacções no mundo, precisamos de ter em mente que o medo é o motivador e que, talvez, fazendo com que a pessoa se sinta segura, deixando que ela exponha os seus medos reais, a cura pode começar.
Noutro grupo de estudo, discutimos o medo e como o usar para desvendar a verdade. Ocorreu-me então que a Maçonaria nos deu oportunidades para enfrentar os nossos próprios medos e os dos outros. Desde falar na frente de um grupo, até assumir o comando do trabalho ritual e fornecer liderança para o trabalho voluntário, a Maçonaria oferece-nos a oportunidade de transmutar continuamente medos no ouro do relacionamento, fornecendo os tipos de experiências que nos testam e nos forçam a enfrentar esses mesmos medos.
Porque é que o maçom se preocupa com os medos? Existe muito no mundo que segue uma dieta constante de medo. A única maneira de chegar até um mundo melhor e melhorar a humanidade é elevar-nos acima daquelas coisas que nos levam a viver uma vida básica, irracional e mundana. Ao abordar e reconhecer quando as pessoas se estão a mover com medo, podemos parar o ciclo para elas e para nós mesmos.
Adicionalmente, os maçons esforçam-se para ser líderes. Liderança é aprender o que motiva as pessoas; aprendendo os seus medos e ajudando-os a manobrar em torno deles, encontramos talentos e habilidades à espera de serem descobertos. A liderança está a lançar luz sobre o que impede as pessoas de serem as melhores que podem ser. Lidar com os medos é difícil, a menos que se crie um diálogo verdadeiro e honesto. A Maçonaria fornece um ambiente para expressar honestidade e ser apoiado.
Este diálogo honesto estende-se a nós mesmos. Quais são os nossos medos? Qual é a nossa atitude negativa dominante, e como isso nos afecta a nós, à nossa família e aos nossos relacionamentos? Que relacionamentos são saudáveis e positivos e quais não o são?
Perguntar o “porquê” é um bom começo. Talvez, olhando para as motivações dentro de nós, que nos levam a ter um relacionamento doloroso com os outros, possamos ficar frente a frente com o nosso medo. Para fazer isso, precisamos de ser capazes de olhar activamente para o nosso comportamento,e avaliar qualquer dano que causamos a nós mesmos; e, como Paul Atriedes da série Dune, olhar para o caminho que seguiu e nos encontrar-nos no seu rasto.
Tente olhar para aquele lugar para onde não ousa olhar!
Vai-me encontrar lá, a olhar para si!
Paul-Muad’Dib para a Reverenda Mãe, de “Dune” de Frank Herbert
Kristine Wilson-Slack
Tradução de António Jorge
Fonte: freemason.pt
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