Estava eu outro dia conversando com um irmão e amigo que pertence a outra Loja e Obediência, esta tão regular e tradicional quanto a da qual sou membro. Era o nosso primeiro encontro após uma visita que ele tinha feito à minha Loja. Papo vai, papo vem, e eis que o irmão pergunta se poderia indicar um candidato para ingressar na minha Loja. Eu, conhecendo a idoneidade moral deste irmão, respondo afirmativamente. Afinal de contas, é direito de todo Mestre Maçom regular indicar candidatos e, se ele tinha escolhido a minha para realizar a indicação, era motivo de honra para mim. Porém, a dúvida ficou no ar, e logo questionei o irmão do porquê dele não realizar a indicação na sua própria Loja, já que eu sabia que ele era inclusive o Secretário da Loja, e poderia acompanhar o processo para a Iniciação mais de perto.
Tenho que confessar que a resposta não me surpreendeu muito, visto ser algo cada dia mais comum de ser visto na Maçonaria: o irmão queixou-se da sua Loja, dizendo que a mesma está sem conteúdo, reunindo-se apenas para bater malhete, isto quando não está ocupada com brigas internas e externas; reclamou ainda que toda tentativa dele e de outros irmãos mais novos de inovar é frustrada pelos “donos da Loja”. E tendo o irmão visitado algumas vezes a nossa Loja e observado o seu modus operandi, sentia-se mais à vontade para indicar um amigo no qual enxergava os princípios maçónicos básicos e o interesse no aperfeiçoamento moral e espiritual.
Compreendendo a situação do irmão, reafirmei a minha concordância e disponibilidade em avalizar tal indicação na minha Loja, dizendo que seria para nós uma honra receber o futuro afilhado dele, é claro que após a devida sindicância e seguindo todos os trâmites do costume. Ao tocar no assunto, o irmão aproveitou para perguntar como era o nosso processo de sindicância, os documentos, exigências e custos para ingresso na Loja. Sendo ele um irmão sempre muito interessado e participativo, não me importei de explicar todo o processo, desde a indicação até à iniciação. Ao final, informei ainda o valor do investimento para Iniciação, o qual cobre o kit de Aprendiz (avental, luvas, ritual, broche, identidade, diploma, etc.) e um jantar comemorativo em que o iniciado e a sua família são apresentados a toda a família da Loja.
Nesse momento, vi o espanto no rosto do irmão, que logo exclamou que o valor informado era exorbitante, impraticável, e que o processo para iniciação era muito burocrático. Ao escutar tais comentários, perguntei-me como era possível fazer o mesmo com menos tempo e recursos… não contive a curiosidade e perguntei: – E como é na sua Loja? – O irmão então respondeu-me que a sua Obediência estava a dispensar muitas das exigências para a Iniciação, além de isentar os candidatos da taxa do placet. Por conta disto, a sua Loja consegue fazer todo o processo para Iniciação em apenas um mês, e cobra apenas R$50,00 ao candidato.
Após escutar o irmão, fiquei reflectindo por um momento sobre o assunto. Eu já conhecia esta história “de outros carnavais” e meu raciocínio era de que, de uma certa forma, um valor mais substancial, o processo relativamente demorado, e as exigências documentais como quase de um concurso de policial federal, serviam como filtros, peneiras, para separar os curiosos daqueles realmente interessados. Todos aqueles documentos, entrevistas e consultas teoricamente garantiam a qualidade mínima social e moral dos indivíduos que solicitam o ingresso na Maçonaria. Mas, será que aquela fórmula “fast food” de Maçonaria estava a funcionar para a Loja dele e para outras Lojas daquela Obediência?
O que a Loja dele e outras da Jurisdição estavam a fazer, com a anuência da Obediência, era proporcionar aos profanos um acesso rápido e barato à Maçonaria. É o que podemos chamar de “McMaçonaria”. A questão é se isto é realmente bom para os membros e para a Instituição. Pensando nisso, perguntei ao Irmão quantos membros tinham iniciado na Loja dele nos últimos dois anos. Ele respondeu que algo em torno de 50 novos irmãos. – Uau – imaginei. Então perguntei-lhe a média de membros por reunião actualmente. Ele sabia bem: uns 26 a 28 irmãos, a maioria de irmãos mais antigos, apenas uns 10 membros da “nova safra”. Então lancei a pergunta derradeira… – E você sabe o nome desses 50 irmãos? – A resposta, é claro, foi negativa. – Talvez eu saiba o nome de uns três deles – respondeu-me o irmão.
Isto já era de se esperar… Como dito anteriormente, esta ideia não é nova. Algumas Grandes Lojas dos Estados Unidos já tinham tentado algo parecido alguns anos atrás, porém de forma mais intensa e abrangente e, é claro, foi um fracasso. Não somente causou alguns problemas internos, como também impactou na relação com outras Grandes Lojas no mundo, que não gostaram nem um pouco desta história.
Com a táctica da McMaçonaria, a tal Obediência deve ter aumentado consideravelmente o número dos seus filiados. Já as Lojas que prescindiram do conceito de células de “família maçónica” não obtiveram ganhos reais em troca. Talvez, membros promissores, que se identificariam com a Loja e os seus valores quando na sua forma tradicional, se entregam à desmotivação de serem mais uns entre dezenas e, ao frequentarem a Loja, que perde a sua própria identidade, acabam por também se afastarem. Os agora maçons, que adquiriram um “lanche” rápido e barato de Maçonaria, podem por fim não experimentar, degustar, saborear e aproveitar a verdadeira essência da Ordem. Enfim, a curto prazo parece algo óptimo, mas a longo prazo pode ser prejudicial, assim como uma alimentação à base de fast food.
Kennyo Ismail
Fonte: freemason.pt
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