Fiquei reticente em começar este trabalho pelo facto de poder ferir susceptibilidades, mas, sem querer magoar ninguém, e sem ter a menor pretensão de colocar um ponto final na discussão de assunto tão complexo, fonte de reflexão profunda de vários filósofos e pensadores, arrisco-me no exercício de trazê-lo novamente à luz dos nossos pensamentos
O princípio de igualdade ou da isonomia surge por volta do ano 508 A.C., mais precisamente na Grécia antiga, embora limitado, na prática, às relações estabelecidas na polis.
A desigualdade existente fora deste âmbito era considerada natural e desejável, para o bom funcionamento da sociedade, e esta noção de que a desigualdade entre os seres humanos era natural, aceitável, e de certa forma desejável, perdurou até o século XVII, quando passaram a vigorar teorias baseadas no contratualismo e no jus naturalismo, que postulavam uma ordem natural de igualdade entre os homens.
No entanto, aconcepção mais próxima do modelo actual, data de 1199 D.C., quando o Rei João sem Terra, segundo John Lackland, assina a Magna Carta Britânica, considerando o início da Monarquia Constitucional, de onde se origina o princípio da legalidade, com o intuito de resguardar os direitos dos burgos, que o tinham apoiado na tomada do trono do então Rei Ricardo Coração de Leão. Partindo-se do conceito de que igualdade é a inexistência de desvios ou incongruências sob determinado ponto de vista, entre dois ou mais elementos comparados, sejam objectos, indivíduos, ideias, conceitos ou quaisquer coisas que permitam que seja feita uma comparação, temos o princípio jurídico que afirma que todos são iguais perante a lei, independentemente da riqueza ou prestígio que tenham.
Porém, este princípio, como todos os outros, nem sempre será aplicado, podendo ser relativizado, de acordo com o caso concreto, e esta definição relativa, que predomina em toda doutrina nacional decorre das palavras do Irmão Rui Barbosa que afirma na Oração aos Moços, em 1920,
“A regra de igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais, são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”
A maçonaria tem a igualdade como um dos seus pilares filosóficos, mas, falar de igualdade, num mundo com tanta pluralidade dissonante, parece-me até um absurdo, porém, fica uma pergunta:
De que igualdade fala a maçonaria, quando a coloca com sendo um dos seus pilares de sustentação?
De que igualdade falamos nós? Igualdade social, igualdade económica, igualdade racial?…
A igualdade social depende de muitos factores: igualdade de cultura, igualdade de maneiras e atitudes. etc…, inclusive de igualdade económica.
Igualdade racial… como pode existir igualdade racial se as raças são diferentes?
Ah!; Estamos a falar de tratar todos os seres humanos da mesma maneira? Então voltamos à igualdade social.
Você, meu irmão, que frequenta regularmente as sessões da loja, que participa de reuniões fraternas, que entra a pisar num pavimento mosaico, indicando que todos aqui são iguais, responda com franqueza, não para mim, mas para si mesmo:
Você, realmente, se considera igual ao irmão que está ao seu lado?
Não quero, com estas palavras, provocar a ira de nenhum irmão, mas, é inegável que as diferenças são gritantes:
As nossas aparências são diferentes, os nossos modos são diferentes, uns trabalham, outros não, uns dão-se, outros não, uns reclamam, outros não, uns conspiram,.. outros aspiram,… alguns inspiram,… outros só respiram,… e outros, ainda, apenas transpiram, e assim por diante…
E mais, a nossa posição social não é igual, as nossas contas bancárias não são iguais, as nossas ideias não são iguais!
E como nós podemos falar em igualdade, se nós mesmos, que a temos como uma das pedras fundamentais da nossa ordem, somos tão diferentes e agimos de maneiras tão diversas, muitas vezes antagónicas?
No campo jurídico, como é possível dizer-se que há igualdade no facto de distribuir justiça de maneira desigual, segundo as desigualdades de cada um? Isto parece mais um meio de fazer assistência social. Tentar corrigir desvios sociais que deveriam ter sido evitados pelos governantes com investimento no cidadão, e não foram feitos.
O que falta, na verdade, é o igualar das oportunidades, com investimento maciço em educação e saúde, para as crianças e adolescentes, sem nenhum subterfúgio partidário ou eleitoral. Quando adultos, terão uma consciência de harmonia social benevolente com os menos favorecidos, e terão sido inspirados para a piedade e indulgência com o semelhante e para a prática da caridade e do voluntarismo.
A sociedade deverá, então, cobrar estas responsabilidades e deveres, que são de todos os humanos, destes indivíduos, igualmente, sem distinção de raça, credo, sexo, etc… Mas, isto somente seria possível, se todos os indivíduos partissem de um mesmo patamar intelectual, cultural, moral, ético e social, e ainda se tivessem a mesma índole, o que sabemos é impossível, e dependeria, ainda, do desenvolvimento de cada elemento.
E isto, ainda não seria igualdade!
Não é enfiando negros ou índios, ou qualquer raça, credo, opção de vida, etc, nas universidades pela porta dos fundos, que se fará justiça com estes grupos, mas, dando condições para que dignamente possam disputar os acessos à Universidade em pé de igualdade.
Cada um receberia as regalias, segundo o seu desempenho social e humano.
E isto, ainda não seria igualdade!
Há uma máxima que me parece mais adequada: “para crimes iguais, penas iguais”.
Não devemos distribuir justiça com equidade?
Mas, não é o que se tem visto nos tribunais, nas várias instâncias. Para crimes iguais, as penas são diferentes e a atribuição desigual aumenta a desigualdade, ao invés de corrigir esta distorção, ficando os poderosos com os benefícios da lei e a plebe com os rigores dela…
“Para crimes iguais, penas iguais”.
Aí sim poderíamos falar de justiça, o mundo seria diferente, não teríamos tantas distorções éticas, mas mesmo assim, ainda não seríamos iguais!
Cada ser humano é único!
De uma maneira geral, todos os iguais devem ter as mesmas coisas, agir da mesma maneira, sentir e pensar de maneira uniforme, e isto é totalmente diferente do que prega a maçonaria, que é feita de livres pensadores, portanto, com diferentes formas de pensamento e de acção.
Alguns filósofos como Hobbes e Locke, consideram que somente existiria igualdade plena, se o homem se mantivesse no seu estado de natureza original, simples, isolado, pacífico e despreocupado. Que todas as diferenças são decorrentes do seu grupo social, de onde origina a disputa por propriedade e reconhecimento social. Mas, não nos esqueçamos que a própria filosofia nos aponta que “o homem é um ser social”.
A discordância entre os filósofos acaba por concluir que na esfera política, a igualdade é um ideal a ser buscado por todas as sociedades e que o simples facto de reconhecimento do direito de igualdade é insuficiente, se os mecanismos pelos quais ela será exercida, não estiverem definidos.
Segundo Bobbio ao pensarmos em igualdade, temos de considerar duas questões: Igualdade entre quem e em relação a que coisas? Parece-nos, portanto, que voltamos ao ponto de partida, visto que, temos de escolher entre quais pessoas haverá igualdade e, além disso, em relação a que coisas.
Isto não é desigualdade para com os outros?
Igualdade social não é possível a não ser com autoritarismo, e isso é intolerável!
Talvez no campo filosófico, teológico ou sentimental, seja até possível alcançar a igualdade, porém, noutras esferas, a igualdade é utópica! Os indivíduos não são iguais por nascimento, no sentido de que cada um possui capacidades e necessidades diferentes.
A igualdade é legítima ao permitir que cada um mostre o seu desempenho, de acordo com a sua capacidade e a partir daí se diferencie dos demais e aqui estamos a falar de proporcionalidade de desigualdade, e neste ponto, aproximam-se.
Rousseau e Hannah Arendt concluem que a pluralidade humana é benéfica e deve ser tolerada, preocupando-se em oferecer às pessoas possibilidades de desenvolverem os seus potenciais como desejarem.
Isto aponta-nos outro factor que deve ser levado em consideração: a liberdade de cada ser humano, que seria um elemento impeditivo da plena igualdade. Temos que, a igualdade e a liberdade são factores conflituantes e ao mesmo tempo complementares. Ao mesmo tempo em que a busca artificial da igualdade limita a liberdade humana de se diferenciar, a igualdade política só pode ser exercida se existir liberdade. Se temos a liberdade de sermos desiguais, queremos ao mesmo tempo a igualdade de sermos livres.
Neste emaranhado filosófico, está a maçonaria, redentora das vaidades e paixões ignóbeis dos seres humanos, voltada exclusivamente ao crescimento do espírito humano para transformá-lo em justo e perfeito. Estas almas poderão libertar-se das amarras do vício e da vaidade e, alcançando a liberdade e tendo bons costumes, poderão com fraternidade, praticarem a igualdade!
Esta é uma tarefa Hercúlea!
Depende, exclusivamente, do nosso substrato e do desenvolvimento maçónico de cada um de nós, ou seja, quanto mais terreno fértil cada um possuir dentro de si, maior e melhor será a colheita. Pedregulhos somente ficarão bonitos, as gemas replandescerão. Sem cepticismo, não existe uma maneira humana de chegarmos à verdadeira igualdade entre os seres humanos; porém, acreditar que possa existir um mundo melhor, com menos discrepâncias jurídicas, culturais, étnicas e socioeconómicas é o dever do ser humano informado, que se diz limpo e puro – do maçon.
Atingir o grande objectivo: IGUALDADE, talvez, realmente, não seja possível, porém, desistir da batalha, jamais! Ergamos os templos à virtude, sejamos maçons, e que o G∴ A∴ D∴ U∴ nos ilumine e guarde nesta empreitada!
Eurico Carlos Pereira 30º
Setembro de 2013
Fonte: freemason.pt
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