Nicola Aslan, no seu “Comentários ao Ritual de Aprendiz”, ao analisar estes dois modos de ser da Maçonaria, faz uma série de observações que esclarece da seguinte forma:
“A Maçonaria apresenta dois aspectos que lhe conferem duas personalidades muito distintas: o exotérico e o esotérico:
- O primeiro, o exotérico ou jurídico, assegura-lhe a sua qualidade de sociedade civil perante os poderes públicos e trata da organização do governo da Instituição, através de leis e regulamentos mais ou menos semelhantes aos das demais associações profanas.
- O segundo, o esotérico, que é o mais importante, confere-lhe o seu aspecto de associação moral e espiritual, única razão de ser da Instituição maçónica. Trata-se dos Ritos Iniciáticos, da liturgia, e também do ensino simbólico, esotérico e filosófico da Ordem. Este ensino não obedece a programas previamente organizados, não tem regulamentação determinada e nem leis escritas”.
Esta mensagem, que se perpetua através da Tradição, de um lado, do estudo e da meditação, do outro, é eminentemente autodidáctica. Embora não se baseie em livros e tratados, estes abrem-lhe todavia horizontes muito mais amplos, fazendo germinar ideias e pensamentos mais profundos, os quais, por sua vez, desenvolvem a intuição que abre o caminho para a Verdade.
Em todos os colégios iniciáticos da Antiguidade, dos quais a Maçonaria adoptou os métodos, o ensino era conferido sob forma de Ritos e de Símbolos, e com o mínimo de palavras interpretativas. Consideravam o gesto e a encenação muito mais eloquentes que a linguagem falada, visto que neles estava encerrado algo que devia ser adivinhado, e quem não compreendesse era considerado rebelde à Iniciação e permanecia profano.
Nos nossos dias todavia, quando o progresso e a ciência se fazem sentir em todos os domínios, e os conhecimentos humanos adquiriram proporções inimagináveis, o tempo de que um homem dispõe torna-se cada vez mais escasso, e os compromissos de toda ordem pesam de maneira opressiva sobre todos. E não obstante, a Iniciação não sofreu grandes modificações nas suas finalidade, eis que, como a Religião, ela responde a anseios de religiosidade e de espiritualidade inatos ao ser humano.
Apenas o seu ensino, a instrução mais generalizada e o auxílio preponderante do livro, adquiriu um Grau de elevação muito maior, tendo sido expurgado de uma escória de conhecimentos obsoletos, de superstições e crendices que o desacreditavam perante a elite intelectual contemporânea.
Embora publicados com maior número de palavras, os Rituais não podem contudo transmitir todos os conhecimentos Iniciáticos e todos os ensinos doutrinários. Explicando apenas uma parte mínima, deixam que o Neófito empregue esforços para compreender por si mesmo o significado dos Símbolos, dando-lhe a sua própria interpretação simbólica, esotérica, teosófica, etc.
Esta lei não escrita é respeitada por todas as Obediências maçónicas e se as Constituições permitem a cada Potência “alterar, revogar ou anular leis e regulamentos”, afirmam, todavia, que são em última análise, a lei não escrita da Maçonaria, na qual estão compreendidos os “usos e costumes” da Fraternidade que é necessário conhecer, estudar e compreender. Alguns deles, entre os quais a Iniciação, perdem-se na pré-história, razão pela qual numerosos escritores têm confundido a Maçonaria com a Iniciação.
Certas constituições dizem ainda que serão respeitados os princípios gerais das Constituições de Anderson e certos postulados universais da Ordem, entre os quais estão citados: a existência de um Princípio Criador – o Grande Arquitecto do Universo -, o sigilo, o simbolismo da Maçonaria Operativa, etc.
Porém, desde o seu aparecimento, o racionalismo começou a minar, para, em seguida, declarar guerra sem quartel ao Simbolismo, base incontestável de toda a ensinança maçónica; pois enquanto o racionalismo só dá valor ao que é positivo, preciso e baseado na observação metódica, o Simbolismo limita a sua acção a sugestões indefinidas que se dirigem à imaginação.
E assim, repletos de saber positivo e científico, numerosos Maçons passaram a desprezar o simbolismo, tão ligado às religiões, acabando por abandonar o seu estudo, e esta ciência, sagrada noutras épocas e essencialmente iniciática, tornou-se, para a maioria, letra morta. Desta forma, embora todos entrem para a Maçonaria pela porta da Iniciação, poucos são dotados com a necessária predisposição de espírito para compreendê-la, continuando nela com o mesmo sistema de vida, as mesmas preocupações e objectivos meramente profanos.
Esvaziadas em grande parte, da sua missão moralizadora e espiritual, as Lojas foram, pouco a pouco, esquecendo-se dos ensinamentos simbólicos e esotéricos, e arremedando uma Iniciação inteiramente despojada dos seus objectivos de aperfeiçoamento intelectual e moral iniciais, foram-se transformando em meras sociedades filantrópicas e de mútuo socorro, numa flagrante regressão histórica. Relegando ao esquecimento o “desbaste da Pedra Bruta”, passaram, a fim de preencherem a Sessão, a ocupar-se dos problemas do cotidiano e de assuntos da actualidade, científicos, políticos, sociais, deixando-se invadir por uma logomaquia árida e fastidiosa, entremeada às vezes por algum acto de benemerência de maior ou menor alcance, mas, principalmente com objectivos promocionais, ou por projectos e construções de Templos.
Ao analisar, na sua obra “Les Mystères de la Franc-Maçonnerie”, o espírito reinante nas Lojas francesas da sua época, posto que a Maçonaria francesa esteve na vanguarda do movimento racionalista, o que lhe valeu a perda da regularidade maçónica, Oswald Wirth teceu os seguintes comentários:
Embora transformadas em parlamentos em ponto pequeno, as Lojas francesas dos fins do século XIX não deixaram contudo de permanecer fiéis aos usos maçónicos mais inveterados. Os hábitos de disciplina foram mantidos. Para obter a palavra, o advogado de uma causa ultra profana devia colocar-se “à ordem”. Um golpe de Malhete impunha silêncio e os trabalhos continuaram a ser abertos e encerrados segundo os Ritos.
Em certas Oficinas, na verdade, a tendência ao relaxamento acentuou-se; chegou-se a simplificar ao máximo as formas tradicionais, a ponto de não dar mais aos velhos Maçons a sensação de se encontrarem num meio maçónico. Isto era passar das medidas, visto que o Maçon, por muito pouco filósofo que seja, quer sentir-se Maçon. Se nada relembra ao adepto que ele não é mais profano, revolta-se o seu instinto maçónico.
É isto o que sucedeu no seio das Lojas radicalmente modernizadas em demasia: sem Ritos nem Símbolos, assumiram a figura de clubes profanos, que não demoraram em fazer sentir que a Maçonaria não é uma simples associação política ou uma vasta confraria exercendo a beneficência. Há nela um lado misterioso que intriga e dá a reflectir: são os Ritos e os Símbolos, sem os quais a Maçonaria desaparece. Solicitando a atenção do “iniciável”, convidam-no a penetrar nos mistérios da Arte Real.
Na verdade, a Maçonaria francesa, dominada pelos socialistas e violentamente hostilizada pela Igreja Católica, descambou para a política e para o anticlericalismo, transformando-se numa verdadeira “associação política anticlerical”, resultando disto um cortejo de escândalos, de desvios e de irregularidades, que lhe fizeram perder o respeito e o reconhecimento das demais Potências maçónicas.
Aos poucos, e cada vez mais, o estado de relaxamento foi-se acentuando. A Maçonaria francesa contemporânea, que muitas Potências latinas acompanharam, perdeu as suas características originais de sociedade iniciática e cultural, cuja principal finalidade era o melhoramento moral, intelectual e espiritual dos seus adeptos para que, pelo seu exemplo e virtudes, pudessem eles influir no melhoramento moral da sociedade profana, da qual seriam os verdadeiros guias.
Mas, apesar de inúmeros Maçons se terem esquecido do desbaste da Pedra Bruta, da prática das virtudes tão preconizada pela Instituição, do estudo dos Símbolos que visa fazer-lhes encontrar o caminho para uma vida com objectivos mais elevados, de uma beneficência discreta que dá sob o mais estrito anonimato, ainda assim, não existe, na Maçonaria, apenas este tipo de Maçons procurando transformar as Lojas Maçónicas em clubes profanos. Graças ao G∴ A∴ D∴ U∴ , muitos existem com grande sensibilidade moral em busca do Ideal iniciático, ávidos de conhecimentos realmente maçónicos que as Lojas, transformadas em pequenos parlamentos profanos, não mais lhes ministram.
Relativamente à instrução a que nos referimos, dizia Mackey na sua “Encyclopaedia”, que data de mais de cem anos, estas palavras que continuam válidas para o Maçon contemporâneo:
Nenhum Maçon consegue chegar, nos nossos dias, a uma situação mais ou menos notável dentro da Fraternidade se não for suficientemente instruído. Se os seus estudos se limitarem, ao que ensinam em sumárias instruções da Loja, não lhe será possível apreciar com exactidão os fins e a natureza da Maçonaria como ciência especulativa. As instruções não passam do esqueleto da ciência maçónica. Os músculos, os nervos e os vasos sanguíneos, que devem animar este esqueleto sem vida e dar-lhe beleza, saúde e vigor, estão contidos nos comentários dessas instruções que o estudo e as pesquisas dos escritores maçónicos proporcionam ao estudioso em Maçonaria.
A Maçonaria que nos descrevia Mackey, de nenhuma forma possuía o carácter de uma associação beneficente ou social, mas o de uma filosofia, de uma ciência e de uma religião, a religião do Maçon a que tantos autores se referem, além de um sistema, de moral. E é deste douto Maçon norte-americano a expressão de “ciência maçónica”, aplicada aos conhecimentos ligados à Instituição maçónica. Dizia ele então, no seu “Symbolism of Freemasonry”, editado em 1869, estas palavras que soam como admoestação:
Investigando-se a evolução da Maçonaria, e estudando-se os pormenores do seu sistema de simbolismo, verificou-se estar ela tão intimamente ligada com todas as épocas do mundo, que força a mente à imediata convicção de que nenhum Maçon pode esperar compreender inteiramente a sua natureza, ou apreciar o seu carácter como ciência, sem dedicar-se, com muito trabalho e assiduidade, ao estudo do seu sistema.
A perícia que consiste na repetição fluente e precisa das instruções usuais, com obediência a todos os requisitos usuais do Ritual, ou no dar, com bastante cuidado, os meios de reconhecimento determinados, pertencem tão somente aos rudimentos da ciência maçónica.
Existe, porém, uma série de doutrinas mais nobres, com as quais a Maçonaria está ligada… Elas serão a recompensa do estudioso que se dedica à tarefa de investigá-las e um magnífico prémio para o seu labor.
A Maçonaria considerada como ciência, e não mais, como o foi por tempo demasiadamente longo, como uma simples instituição social, ocupa actualmente um lugar à parte e inconteste entre as ciências especulativas…
Reconhecemos que este estudo não é muito fácil, para muitos maçons, o qual não dispõem de uma bibliografia muito ampla, e suficiente para os seus estudos sobre a nossa Instituição, mas relegá-los ao completo esquecimento é também ir demasiadamente longe.
Centro de Estudos e Pesquisas Maçónicas Expansão da Luz
Fonte: freemason.pt
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