“É sabido que a história da Maçonaria tem vindo a fazer-se «ao acaso» com sabor a mito, a lenda e inclusivamente a conto de terror” [1].
“A Maçonaria oferece uma via de aperfeiçoamento espiritual que tem características muito próprias, assente numa cultura que vem sendo burilada ao longo de séculos e que se espraia por todo o mundo” [2].
Não existe uma opinião única e consensual acerca da origem da Maçonaria. É quase como se esta estivesse envolta na névoa dos tempos, das lendas e dos mitos [3].
Na verdade, segundo A. H. de Oliveira Marques, sobre a origem da Maçonaria “(…) têm-se gasto rios de tinta e escrito as mais fantasiosas histórias (,..)” [4], sendo que “(…) desde os mistérios de Elêusis ao rei Salomão e à Ordem do Templo, tudo tem servido a maçons, desejosos de exaltar a antiguidade da Ordem, e a profanos [5] não menos desejosos de denegrir essa mesma Ordem, para escreverem patranhas e balelas, confrangedoras pela ingenuidade e ignorância que revelam” [6].
Por seu turno, W. L. Wilmshurst, por meio da sua obra intitulada Maçonaria – Raízes e Segredos da sua História, procura explicá-la sublinhando a sua pretensa relação com os Antigos Mistérios [7], dos quais seria “(…) ainda que de forma muito atenuada, directa descendente espiritual” [8].
Já para António Carlos Carvalho, embora os antigos oradores e historiadores maçónicos costumassem afirmar quer que a origem da Maçonaria se perdia através dos tempos, quer que esta remontava ao próprio Adão, pretendiam na realidade dizer que desconheciam qual e quando havia sido o verdadeiro ponto de partida da Ordem [9].
Ainda de acordo com este autor, o único modo legítimo de tentar chegar a uma conclusão válida será “(.) procurar os elementos comuns, presentes através de toda a História conhecida da Ordem (.)” [10], destacando a primordialidade do seu simbolismo, a qualidade da sua Iniciação, bem como a tradicionalidade da sua missão, aspectos que abordaremos mais adiante.
Por ora, e conscientes da pluralidade e diversidade de opiniões a este respeito, ficar-nos-emos pela explicação mais amplamente aceite e segura, que atribui a génese da Maçonaria aos grémios de construtores medievais.
De facto, as corporações dos mesteres conheciam outras preocupações que não as de carácter puramente profissional, preocupações essas de natureza religiosa, iniciática, caritativa e mesmo cultural. Possuíam patronos próprios, os seus mistérios, festas rituais (que remetiam frequentemente para a Antiguidade, não obstante o disfarce cristão), e destacavam-se pela sua intensa solidariedade.
Citando A. H. de Oliveira Marques, “[a] corporação dos pedreiros, ligados à nobre arte da arquitectura, incluía-se entre as mais importantes, respeitadas e ricas em simbologia e em segredos. Nela se fundiam princípios, práticas e tradições de construção que remontavam aos Egípcios, aos Hebreus, aos Caldeus, aos Fenícios, aos Gregos, aos Romanos e aos Bizantinos, [enfim], a todo o corpus da civilização europeia” [11]. No entanto, defende o autor que é nesta medida, e só nela, que podemos ligar a Maçonaria a uma remota Antiguidade.
Assim, embora seja notória, como verificaremos, a presença, na cristalização maçónica actual, de todo um conjunto de elementos que lembram a organização das ordens de cavalaria e, sobretudo, o ideário dos Templários, bem como de vocabulário relacionado com o judaísmo bíblico, parece-nos que “(.) esta associação [fica a dever-se] mais à influência que os Templários exerceram na construção civil e religiosa e nas próprias corporações dos pedreiros do que a uma relação directa entre a Ordem do Templo e a Ordem Maçónica” [12]. Convém referir que grande parte dos Ritos [13], ditos escocês e francês, com a sua complexa emblemática, foi inventada no século XVIII nas cortes e salões aristocráticos de países como a Alemanha, a França e a Inglaterra [14].
Posto isto, e de modo assaz sucinto, poder-se-ia dividir a História da Maçonaria em três grandes períodos [15].
O primeiro, em que a Maçonaria é denominada de operativa e que abrange aproximadamente os séculos XIII a XVI, coincide com a edificação das grandes catedrais góticas, correspondendo a uma época em que o centro de união dos colectivos maçónicos gravita em torno do ofício da construção e da arquitectura.
Todavia, embora tal ainda não se verificasse de modo expressivo, já desde o século XV “as corporações dos pedreiros, como muitas outras, podiam aceitar (.) determinadas pessoas que, em rigor, lhes estariam à margem. Era o caso de estrangeiros, de clérigos, de agregados à profissão, de personalidades desejosas de se integrarem numa associação útil que os protegesse ou, pelo contrário, de personalidades que pudessem servir de protecção ou de utilidade à corporação” [16].
O segundo período, designado como o dos maçons aceites, compreende o século XVII, englobando ainda o início do século XVIII, tratando-se de uma época de transição em que as sociedades maçónicas foram, progressivamente, admitindo no seu seio membros honoríficos, que não se dedicavam especificamente à construção.
O terceiro tem início em 1717, estendendo-se até à actualidade. É a época da Maçonaria especulativa, composta por membros aceites (essencialmente burgueses, aristocratas e intelectuais [17]), que se distancia da arte da construção e persegue exclusivamente uma finalidade ética, ainda que conservando a terminologia e símbolos próprios dessa mesma arte.
Em suma, “ligação directa com um passado, só a encontramos no que [concerne] ao corporativismo obreiro. Como [afirma] o historiador da Maçonaria Paul Naudon, numa frase concisa e perfeita, «a franco-maçonaria apresenta-se como a continuação e a transformação da organização de mesteres da Idade Média e do Renascimento, na qual o elemento especulativo tomou o lugar do elemento operativo»” [18].
Concluindo, e a propósito do supra-referido, aqui fica uma velha fábula que nos parece esclarecedora:
“Nos tempos recuados da Maçonaria operativa, três canteiros lavravam uma pedra. Um passante interpelou-os:
- O que fazem vocês?
- Trabalho para ganhar a vida – respondeu o primeiro.
- Talho uma pedra – disse o segundo.
- Construo uma catedral – extasiou-se o terceiro.
É claro que só este era maçon e que os outros não poderiam sê-lo…” [19].
Liliana Raquel Rodrigues Fernandes
Nota
Este texto integra uma excelente dissertação apresentada por Liliana Raquel Rodrigues Fernandes à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Estudos Portugueses.
Dada a sua extensão, os diversos capítulos serão publicados autonomamente, incluindo-se sempre o link para a totalidade do trabalho.
Notas
[1] MOLLEDA, Maria Dolores Gómez, “Masonena y Democracia en la Espana Contemporânea”, in: Pedro Alvarez Lázaro (coord.), Maçonaria, Igreja e Liberalismo – Masonería, Iglesia y Liberalismo. Actas da Semana de Estudos da Faculdade de Teologia (Porto, 1 a 4 de Fevereiro de 1994). Porto, Fundação Eng. António de Almeida, Porto, Universidade Católica Portuguesa, Madrid, Universidad Pontificia Comillas, 1996, p. 73. Tradução nossa.
[2] Trovão do Rosário, em entrevista conduzida por Inês Cardoso, in Jornal de Notícias, Edição Norte, N° 297 ano 119, Domingo 25 de Março de 2007, p. 11.
[3] Cf. ARNAUT, António, Introdução à Maçonaria. 5a ed.. Coimbra Editora, 2006, p. 23 – 28.
[4] MARQUES, A. H. de Oliveira, A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1995, p. 37.
[5] Leia-se “não maçons”.
[6] Loc. cit..
[7] Cf. WILMSHURST, W. L., Maçonaria – Raízes e Segredos da sua História. Lisboa, Prefácio – Edição de Livros e Revistas, Lda., 2002.
[8] Op. cit., p. 13.
[9] Cf. CARVALHO, António Carlos, Para a História da Maçonaria em Portugal 1913 – 1935. Col. Janus, 2a ed.. Lisboa, Vega Lda., 1993, p. 25.
[10] Op. cit., p. 26.
[11] MARQUES, A. H. de Oliveira, A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1995, p. 37.
[12] Op. cit., p. 38.
[13] Embora na obra supra-citada Oliveira Marques utilize o termo “rituais”, pensamos que o vocábulo “Ritos” será o mais adequado à ideia que o autor pretende transmitir, pois refere-se a sistemas rituais maçónicos. Porém, sobre esta matéria discorreremos mais adiante.
[14] Cf. Loc. cit..
[15] Cf. LÁZARO, Pedro Alvarez, “Origen, Evolución y Naturaleza de la Masonería Contemporánea”, in: Pedro Alvarez Lázaro (coord.), Maçonaria, Igreja e Liberalismo – Masonería, Iglesia y Liberalismo. Actas da Semana de Estudos da Faculdade de Teologia (Porto, 1 a 4 de Fevereiro de 1994). Porto, Fundação Eng. António de Almeida, Porto, Universidade Católica Portuguesa, Madrid, Universidad Pontificia Comillas, 1996, p. 33 – 34.
[16] MARQUES, A. H. de Oliveira, A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1995, p. 38.
[17] Cf. ANES, José Manuel, Maçonaria Regular. Lisboa, Hugin Editores, Lda., 2003, p. 18.
[18] MARQUES, A. H. de Oliveira, A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1995, p. 37.
[19] ARNAUT, António, Introdução à Maçonaria. 5a ed.. Coimbra Editora, 2006, p. 88 – 89.
Fonte: freemason.pt
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