A Mulher e a Maçonaria

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A Mulher e a Maçonaria

O Ritual Maçónico Mulher Maçonaria

Uma Loja Maçónica perfeita é uma representação simbólica do Universo e as suas leis, bem como da excelsa Hierarquia de Poderes que dirige e governa. Na Maçonaria, com o seu simbolismo caracteristicamente construtor, todos estão hierarquicamente empenhados na magna obra de Deus Criador, ou seja, de Deus Espírito Santo, que maçonicamente corresponde ao Grande Arquitecto do Universo.

A Loja é uma miniatura simbólica de um Universo dentro do Cosmos. Nos seus trabalhos ritualísticos, desde a abertura até ao seu encerramento, ela executa simbolicamente o drama cíclico do início e encerramento das actividades progressivamente evolutivas levadas a cabo num Universo segundo o divino plano traçado pelo G∴ A∴ D∴ U∴. Todos os seus Oficiais exercem simbolicamente funções específicas similares às que, nos níveis superiores do Universo, desempenham os excelsos Oficiais da perfeitíssima Grande Loja Branca a que aqui e ali se têm referido abalizados autores maçónicos, e da qual o Apocalipse nos dá um vislumbre alegórico no seu capítulo IV.

O Ritual Maçónico está baseado no Ritual Supremo, e por meio dele os seus participantes põem-se em contacto com a gigantesca actividade do G∴ A∴ D∴ U∴ Desde a abertura até o encerramento de uma Loja Maçónica segue-se ponto por ponto o divino Ritual da criação, desenvolvimento e extinção de um Universo, e cada acto ali tem o um significado cósmico muito além das nossas concepções sobre a importância do Ritual de que estamos participando. Este Ritual capacita-nos a colaborar na magnífica obra do G∴  A∴ D∴ U∴ e auxiliar humildemente na consagração diária do Universo na manutenção de toda a vida, e assim, por alguns momentos, somos mais que humanos: somos divinos.

Estes e outros factos cósmicos, de conhecimento tradicional entre os povos cultos, sempre foram revividos e representados dinamicamente nas antigas religiões, escolas filosóficas, instituições iniciáticas, e sobretudo, nos antigos Mistérios da índia, Egipto, Grécia, Samotrácia, Roma e ainda no Cristianismo primitivo. Estes mesmos factos eram também directamente mostrados ao vivo, nos ensinamentos esotéricos, amiúde em criptas ou câmaras secretas, ou individualmente por meio de provas e experiências práticas, porém somente aos “eleitos”, isto é, aos que já tinham assimilado e realizado os ensinamentos exotéricos.

Entre os antigos Mistérios ou Instituições iniciáticas inclui-se aquela que hoje conhecemos como Maçonaria, ou mais precisamente, a moderna Franco-maçonaria.

Homens e mulheres de qualquer posição social e cultura podiam solicitar a sua iniciação nos diversos mistérios, que se dividiam em Menores (exotéricos ou públicos) e Maiores (esotéricos ou privativos). E todos que fossem achados puros e de conduta nobre podiam participar dos Mistérios, que destruíam todo temor à morte e incutiam a certeza da imortalidade. A exclusão do elemento feminino da tradição iniciática maçónica ocorreu muito posteriormente, no século dezoito na Inglaterra, sem dúvida por influência dos mistérios judaico- mitrico-romanos e de algumas agremiações operativas da Idade Média que vivam na clandestinidade para poder escapar às cruéis perseguições eclesiásticas e políticas, porém essa exclusão não foi geral nem total, como examinaremos mais adiante.

As Origens da Maçonaria Moderna

Os movimentos da Renascença nos séculos XV e XVI, da Reforma religiosa de Martinho Lutero do século XVI e do chamado Iluminismo do século XVII que inclui os Rosa-Cruzes, exerceram benéfica influência na evolução da Maçonaria operativa em especulativa em 1717 já que lhe criou, indirectamente, um clima de maior liberdade e lhe abriu perspectivas mais amplas e luminosas; no entanto, diga-se de passagem, infelizmente só foram parcialmente aproveitadas pelos reformadores maçónicos.

As origens da Maçonaria perdem-se nas brumas da antiguidade. Mas – escreve o Irmão Leadbeater 33° [1] – os escritores maçónicos do século dezoito lhe especularam a história sem o senso crítico, baseando os seus conceitos numa crença literal na história e cronologia do Antigo Testamento e nas curiosas lendas do Artesanato, herdadas das épocas operativas das Antigas Ordenações. Assim é que o Dr. Anderson, no seu primeiro Livro de Constituições, chegou a aventar que “Adão, o nosso primeiro pai, criado à imagem de Deus, o Grande Arquitecto do Universo, devia ter possuído as Ciências Liberais, particularmente a Geometria, escritas no seu coração, ao passo que outros escritores, menos fantasistas, atribuíram a sua origem a Abraão, Moisés ou Salomão“.

O Dr. Oliver, escrevendo na primeira metade do século dezanove e portanto bem posteriormente, sustentou que a Maçonaria, tal qual a conhecemos hoje, é a única e verdadeira relíquia da fé dos patriarcas anti diluvianos, ao passo que os antigos Mistérios do Egipto e de outros países, que tanto se assemelham a ela, não passam de corrupções humanas de uma tradição primitivamente pura” [2].

Todavia, à medida que, desde então, os conhecimentos científicos e históricos progrediram noutros campos de pesquisas, e especialmente na análise crítica das Escrituras, os métodos científicos foram sendo gradativamente aplicados também no estudo da Maçonaria, de tal sorte que actualmente existe ao alcance de todo pesquisador maçon ou não, um vasto acervo de informações positivamente exactas e das mais interessantes sobre verdadeira história da Ordem.

Como resultado destas e outras linhas de investigação, já existem quatro principais escolas ou correntes de pensamento maçónico, ainda não necessariamente definidas ou organizadas como escolas, porém agrupadas, segundo as suas relações, em quatro importantes departamentos de conhecimento, primitivamente não incluídos no campo maçónico.

Cada um destes grupos tem características próprias, afins com a Maçonaria. Cada um deles tem os seus próprios cânones de interpretação dos símbolos e cerimónias maçónicos, enquanto seja claro que muitos dos modernos escritores maçónicos são influenciados por mais de uma escola. Essas quatro escolas são:

I – A vulgarmente denominada Escola Autêntica, a tendência desta escola é fazer a Maçonaria derivar das Lojas e Guildas ou Corporações operativas da Idade Média, e fazer supor que os elementos especulativos foram enxertados no tronco operativo. Esta hipótese não é contraditada pelos arquivos existentes, cujas actas mais primitivas e muito raras datam, porém, do ano de 1598, segundo D. Murray-Lyon (History of the Lodge of Edinburgh, p. 9). Afirma o grande historiado maçónico R. F. Gould que se pudermos admitir que o simbolismo (ou cerimonial) da Maçonaria é de origem anterior a 1717, não haverá, praticamente, limites na computação da sua idade (Concise History of Freemansory, p. 55). Mas muitos outros escritores não vão além dos construtores medievais, na procura da origem dos Mistérios maçónicos, como se a concepção das mesmas e do seu complexo significado estivessem ao alcance de qualquer artífice construtor!

II – A Escola Antropológica. Esta escola, ainda em processo de desenvolvimento, aplica as descobertas da antropologia aos estudos da história maçónica, com notáveis resultados. Os antropologistas têm reunido um vasto cabedal de informações sobre os costumes religiosos e iniciatórios de muitos povos antigos e modernos, e os Maçons estudiosos neste campo têm encontrado muitos dos nossos símbolos, tanto na Ordem como de graus superiores, nas pinturas murais, gravuras, esculturas e edifícios das principais raças do mundo. Portanto, a Escola Antropológica computa à Maçonaria uma antiguidade muito maior do que a defendida pela Autêntica, e assinala surpreendentes analogias com os antigos Mistérios de muitas nações, os quais possuíam claramente os nossos símbolos e sinais, com toda a probabilidade ligados a cerimónias análogas às executadas actualmente nas Lojas Maçónicas. Entre os pioneiros neste campo cabe mencionar os Irmãos Albert Chuchward, J. S. M. Ward, e Bernard H. Springett.

III – A Escola Mística. Esta escola encara os mistérios da Ordem de um outro ângulo, isto é, como um plano para o despertar espiritual do homem e o seu desenvolvimento interno. Os seus adeptos declaram que os graus da Ordem são simbólicos de determinados estados de consciência, que devem ser despertados no iniciado se ele aspira obter os superiores tesouros do espírito.

A meta do maçon místico é a união com Deus; para ele a Ordem representa a Senda para esta meta, e oferece, por assim dizer, um guia simbólico capaz de orientar os passos do buscador de Deus. Os seus estudiosos estão mais interessados em interpretações do que em pesquisas históricas, e sustentam que a Maçonaria tem pelo menos parentesco com os antigos Mistérios, que visavam precisamente a mesma finalidade.

Também deploram o facto de que a maioria dos nossos Irmãos modernos tenha de tal modo se esquecido da glória da sua herança maçónica, que deixou que os antigos ritos se tornassem pouco mais que formas vazias.

Um bem conhecido representante desta escola é o Irmão A. E. White, um dos mais requintados e cultos maçons da actualidade e uma autoridade sobre a história dos graus superiores. Outro também é o Irmão W. L. Wilmhurst, que tem produzido algumas formosas e profundas interpretações espirituais do simbolismo maçónico. Muito tem feito esta escola para espiritualizar a Maçonaria, e sem dúvida uma das suas marcas é a mais profunda e cada vez mais destacada reverência pelos nossos Mistérios.

IV – A Escola Oculta. O objectivo do ocultista, não menos que o do místico, é a união consciente com Deus, porém diferem os seus métodos de busca. O método oculto desenvolve-se através de uma série de etapas definidas numa Senda de Iniciações conferindo sucessivas expansões de consciência e graus de poder sacramental. Para o ocultista é de suma importância a exacta observância de uma forma, e por meio do emprego da magia cerimonial ele cria um veículo através do qual se pode atrair a luz divina e espalhá-la em benefício do mundo invocando na sua ajuda a assistência dos Anjos, espíritos da natureza e outros habitantes dos mundos invisíveis. Ao passo que o método do místico é pela prece e oração; ambos estes caminhos conduzem a Deus.

A escola oculta do pensamento está representada por uma corporação sempre crescente de estudiosos da Ordem Maçónica Mista Internacional Le Droit Humain, com sede em Paris e dirigida por um Supremo Conselho de âmbito mundial. Ela distingue-se no resto do mundo maçónico pela admissão de mulheres por meio da iniciação no mesmo nível de igualdade com os homens, e gozando ambos ali das mesmas prerrogativas, segundo o seu mérito pessoal.

Neste grupo pode-se incluir também a antiga escola de Pitágoras, a Filosofia Secreta de Henrique Cornélio Agrippa, a Filosofia de Paracelso, a Ordem Rosa-Cruz de Christian Rosenkreutz e a Maçonaria Egípcia de Cagliostro.

A Mulher na Maçonaria

Sob o critério místico-filosófico, tal qual os antigos Mistérios, a Maçonaria destina-se igualmente ao homem e à mulher, complementos que são um do outro, pois ambos visam atingir a mesma meta evolutiva e constituir a família como base celular de uma sociedade bem organizada, e segundo os mandamentos da própria Ordem, um dos antigos Landmarks maçónicos é que todos os seres humanos são fundamentalmente iguais, e, portanto, as suas diferenças são meramente circunstanciais. Sobre este ponto não há nenhuma dúvida nas tradições maçónicas baseadas nas legítimas escolas antropológicas, místicas e ocultas. E mais, mesmo nas escolas que atribuem a sua origem às Corporações Operativas da Idade Média, os investigadores não encontraram nos seus registos e instituições nada de discriminatório contra a inclusão do elemento feminino, mas, antes bem ao contrário.

Esta esdrúxula proibição ao arrepio da tradição, normas e ideais de todas as demais sociedades secretas passadas e contemporâneas, como das anteriores Constituições e Regulamentos da Maçonaria Operativa foi introduzida pelo presbítero James Anderson no artigo 18° da sua Constituição de 1723, após a transformação da Maçonaria Operativa em 1717. É justo, porém, ressaltar que tal transformação já tinha sido empreendida nos anos 1648-49 pelo célebre e culto Alquimista e Rosa-Cruz Emílio Ashmole (1617-1692) de quem a Universidade de Oxford conserva, com o seu nome, um museu de raridades, e é bem sabido que os verdadeiros Rosa-Cruzes jamais nutriam preconceito de sexo, nem por princípio jamais o aprovariam.

Sobre a reforma de 1717 comenta o famoso maçon Miguel André Ramsey (1686-1743), contemporâneo dos reformadores: “Muitos dos nossos ritos e costumes contrários aos preconceitos dos reformadores forma mudados, disfarçados e suprimidos, e assim muitos irmãos lhes esqueceram o espírito e lhes retiveram apenas a casca externa, porém no futuro a Maçonaria será restaurada na sua pristina glória”. (C. W. Leadbeater, Glimpses of Masonics History, p. 309).

Por sua vez, o erudito e alto Maçon e Rosa-Cruz Charles Sotseran, 32°, escreve em 11 de Janeiro de 1877: “As Constituições de 1723 e 1738 do falso Maçon Anderson foram adaptadas para a recém-emplumada da primeira Grande Loja de Livres e Aceites Maçons da Inglaterra, tal derivaram todas as demais do mundo actual. Anderson compilou estas adulteradas Constituições, e a fim de contestar a chamada ‘história de lixo’ da Ordem teve a audácia de declarar que quase todos os documentos relativos à Maçonaria na Inglaterra tinham sido destruídos pelos reformadores de 1717. Felizmente, no Museu Britânico, na Biblioteca Boldeiana e noutras instituições públicas Rebold, Hughan e outros descobriram provas suficientes ao molde das antigas Observâncias Maçónicas Operativas, para refutar a assertiva“. Depois de salientar que graças à Maçonaria Especulativa os Estados Unidos lograram obter a sua independência política, pois Maçons foram Washington, Lafayette, Franklin, Jefferson e Hamilton, e a Itália obteve a sua unidade através do braço executor do Maçon 33° Garibaldi, continua:

“A Maçonaria especulativa tem muitas tarefas a executar. Uma delas é a de admitir a mulher como colaboradora do homem nas actuações da vida, segundo o fizeram recentemente Maçons húngaros ao iniciarem a condessa Haiderk. Outra importante tarefa é o reconhecimento prático da fraternidade humana, de modo que a nacionalidade, a cor, crença e posição social não sejam obstáculos ao ingresso na Maçonaria. O negro não há de ser irmão do branco apenas teoricamente, pois Maçons da raça negra não são admitidos nas Lojas norte-americanas. É preciso persuadir a América do Sul, a participar dos deveres para com a humanidade. Se a Maçonaria há de ser, como se pretende, uma escola de ciência e religião progressivas, deve ir na vanguarda e não na retaguarda da civilização”. (H. P. Blavatsky, Isis Unveiled, Vol. II, p. 389, ed. 1931).

Nas investigações empreendidas neste sector, o primeiro Escrito com o nome Freemason que aparece é um acto do Parlamento do ano de 1530, 25° ano do reinado de Eduardo I, regulamentando a profissão de pedreiro; é minucioso nas suas normas e omisso em relação à mulher. Depois vem o chamado “Manuscrito Régio” ou de “Halliwel”, descoberto por um antiquário não-maçon no Museu Britânico de Dnodez escrito em 1390 e publicado no Magazine Freemason de Junho de 1815, porém que, segundo alguns autores, era cópia de um escrito mais antigo. Trata-se de um pequeno livro em papel de vitela, com 794 versos em inglês arcaico. A primeira parte trata da tradição da Corporação, e a segunda, dos versos 97 a 794 é de estrito teor legal maçónico, mas nada se consigna ali de ser a Maçonaria privativa só para homens. Muito ao contrário, deparam-se provas, no mínimo, da presença e colaboração femininas. Com efeito, no seu artigo 10°, versos 203 e 204, lê-se: que nenhum Mestre suplante outro, senão que procedam todos entre si como irmão e irmã. No ponto 9o, versos 351 e 352, diz-se: Amavelmente, servindo-nos a todos, como se fossemos irmão e irmã.

Em todo este histórico documento, básico para uma autêntica enumeração dos “Antigos Limites” ou Landmarks, existe apenas uma proibição: a admitir servos (verso 129) e inválidos (verso 154).

Também a Constituição de York, de 926, no seu artigo 11° assinala a condição obrigatória de o candidato à iniciação não ser servo, inválido ou de maus costumes, e nada expressa contra a mulher.

O mesmo acontece noutros documentos antigos, como o “Manuscrito de Watson”, de 1440, que coincide bastante como “Manuscrito Régio”, levando o nome de quem o descobriu na Biblioteca Boldeiana de Oxford.

Afinal, no regulamento elaborado em Londres em 27 de Dezembro de 1663, numa assembleia geral em que o Conde Santo Albano foi eleito Grão-Mestre, consta no seu artigo 2o que ninguém seria admitido na confraria que não fosse são de corpo, de nascimento honrado, de boa reputação e submisso às leis do país. Ainda uma vez nenhuma referência discriminatória à mulher. E segundo o Dr. Chethwode Grawley (A. Q. C. XV, 69), existia em Deneraible, Irlanda, em 1710-12 uma Loja especulativa do tipo inglês, na qual foi iniciada Elizabeth St. Leger, uma famosa dama maçónica.

Mais recente ainda são as Constituições de Grande Loja de Hamburgo e os Estatutos de Grande Loja da Dieta Alemã. Foram aceitas e aprovadas em 10 de Março de 1782, sendo Frederico Guilherme II da Prússia o Grão-Mestre e Protector da Ordem. Elas reproduzem com esmerada exactidão os “Antigos Limites”, sob a denominação mais moderna de Charges Landmarks, e nenhuma alusão fazem à mulher nem contra a sua admissão na Maçonaria.

A revista inglesa Hiram, no seu número Maio – Junho de 1908, publicou na íntegra uma cópia de um “old charge” destinado à Grande Loja de York, cujo original estaria na posse da Loja York n° 236.

No Bulletin International du Droit Humain do mês de Maio de 1914 (páginas 390-394) uma Grande Inspectora da Federação Britânica precisou que se trata de um texto datado de 1643, isto é, de uma época em que existia sem sombra de dúvida, e já há longo tempo, uma Loja maçónica em York, e uma Loja que admitia as mulheres. Ele cita o texto inglês original de um parágrafo do manuscrito particularmente sugestivo: “Before the spec al charges are delivered, the one of the elderes taking the book and that hee or she to be made a Mason shall lay their hande thereon and the charges shall be given“.

O que se traduz como:

“Antes que as instruções especiais sejam dadas (a nossa irmã prefere traduzir a palavra ‘ordenações’ pela palavra ‘instruções’), um dos mais antigos toma o livro e aquele ou aquela que deve ser constituído Maçon coloca-lhe as mãos em cima, e as instruções são dadas”.

Mas a nossa erudita irmã não se restringe a este documento, pois utilizou também outros: “Examinando os registos das antigas corporações – declara-nos ela – encontram-se apenas cinco de cada quinhentos existentes (um por cento), que não estavam igualmente constituídas de homens e mulheres“.

E ela acrescenta que há dificuldade de escolha entre a profusão de manuscritos que ela pôde compulsar. Limita-se, todavia, a apresentar três outros, conservando o arcaico texto inglês que respeitaremos.

Vem primeiro uma citação tirada da “Corporação de Santa Catarina, de Chartres”, datada de 1494 e assim começa:

“Admissão de Irmãos e Irmãs na Corporação de Santa Catarina.

“…Depois far-se-á que se aproximem todos aqueles que deverão ser admitidos como Irmãos e Irmãs na Corporação, e o Aiderman (dignitário tomado posteriormente “Mestre” ou “Vigilante”) os interrogará desta maneira: “Senhor ou Senhora, desejais tornar-vos Irmãos entre nós, nesta corporação?”. E, de sua própria vontade eles deverão responder “sim” ou “não” [3].

Uma segunda citação é tirada das Ordenações da Corporação de Corpus Chisti, York 1408, cujo manuscrito mostra de maneira insofismável que é maçónico: “Ordenação V: Nenhum leigo será admitido na Corporação excepto apenas aqueles que exercem uma profissão honesta, mas todos, sejam clérigos ou leigos, e de ambos os sexos, serão recebidos se forem de boa reputação e bons costumes” [4].

No mesmo manuscrito indica-se que os Irmãos e Irmãs deverão prestar juramento sobre um livro [5]  e várias vezes faz-se alusão à “Dama”, particularmente no juramento do Aprendiz, onde esta jura obedecer ao “Mestre”, ou à “Dama”, ou a todo outro Franco-maçon [6].

Enfim, é-nos apresentado um último documento.

Na Idade Média havia já desenhos especiais e um modo característico inscritos sobre a campa sepulcral dos Franco-maçons, tal qual ainda se encontram nos velhos cemitérios, e que permitem aos irmãos reconhecerem que ali jaz um dos seus. Ora, um velho testamento apresenta uma perturbadora conexão com este costume. Está datado de 4 de Fevereiro de 1482 e emana da falecida Margaret, esposa de John Paston, Escudeiro, e filha e herdeira de John Mauteboy, também Escudeiro [7]. Ela ordena ali que uma inscrição coincidente com o moto dos Franco-maçons seja gravada na sua tumba, em respeito às prescrições maçónicas. Uma placa de mármore conterá escudos nos quatro cantos e, no meio da mesma, desejo ter um escudo só com as armas paternas, encimando esta inscrição: “Em Deus está a minha confiança” [8]

E a M∴ II∴  Ir∴ termina o seu trabalho de investigação com uma pergunta muito judiciosa: “Se os Antigos Mistérios nunca excluíram as mulheres, e se mesmo as Corporações operativas as mais maçónicas as recebiam de muito bom grado, por que então a maçonaria especulativa masculina da nossa época persiste tanto na discriminação contra elas?“.

Na longa história da Maçonaria, a primeira vez que aparece a proibição discriminatória contra o elemento feminino é no “Livro das Constituições”, compilado e publicado em 1723 por James Anderson, presbítero anglicano e Gr∴ Vig∴ da Grande Loja de Londres, que no final do seu artigo 3o diz: As pessoas admitidas a fazer parte de uma Loja devem ser boas, sinceras, livres e de idade madura: não são admitidos escravos, mulheres, pessoas imorais e escandalosas, mas exclusivamente as que são de boa reputação. Esta proibição foi repetida posteriormente no 18° Landmark compilado por Mackey na sua Enciclopédia, donde outros a tem copiado.

No entanto, não tardou a reacção. A Maçonaria continental jamais se conformou com tão estranha discriminação contra a mulher. E como que por triste ironia da sorte, o golpe foi-lhe desferido no exacto momento em que se promovia a ampliação dos estreitos horizontes da Maçonaria Operativa para os mais brilhantes e esperançosos da Maçonaria Especulativa. Consequentemente, em 1730 esboçou-se na França a Maçonaria de Adopção, destinada às mulheres, em quatro graus. Outras Ordens surgiram depois, como a Moisés em 1738, fundada por alemães, e a dos Lenhadores em 1747, derivada dos Carbonários da Itália. Mais associações similares vieram depois, como a Ordem do Machado na França, onde o Grande Oriente acabou criando um novo Rito em 1774, chamado de Adopção, com os seus regulamentos próprios e sob o patrocínio de uma Loja regular. Em 27 de Julho de 1786 o Conde Cagliostro, iniciado por volta de 1770 na antiga Maçonaria Egípcia pelo Conde de Saint Germain, fundava em Lyon, França, a Loja-Mater Sabedoria Triunfante, do Rito da Maçonaria Egípcia adaptado a homens e mulheres, declarando que desde que as mulheres tinham sido indistintamente admitidas nos antigos Mistérios, não havia nenhuma razão para excluí-las das ordens modernas. A princesa Lamballe aceitou prazerosamente a dignidade de Mestra Honorária da sua sociedade secreta, e a sua iniciação foi assistida por membros dos mais importantes da corte francesa.

As Lojas de Adopção acabaram por se espalhar por toda a Europa e depois pela América do Norte, e o movimento culminou na fundação em 4 de Abril de 1893, em Paris, pelo Dr. Georges Martin e a sua esposa, da Ordem Maçónica Mista Internacional Le Droit Humain (“O Direito Humano”), também denominada Comaçonaria Internacional. Esta Ordem outorga iguais direitos a homens e mulheres, e os admite e inicia ao mesmo nível de igualdade; hoje está instalada nos cinco continentes.

Importa assinalar que os preconceitos e discriminações contra as mulheres e outras classes e raças sempre existiram, em toda a parte, mas ao Maçon como a toda pessoa bem informada cumpre combatê-los e desfazê-los, e não apoiá-los. Já há cinco mil anos o divino Avatar Shri Krishna os impugnava nas castas da índia com estas palavras:

Aqueles que em Mim se refugiam, ó Arjuna! Ainda que concebidos em pecado, sejam mulheres, comerciantes ou artífices, também vão para o Eterno.” (Bhagavad Gita, IX, 32).

Há 2500 anos Buda contestava o regime de castas na índia e aceitava igualmente homens e mulheres como seus discípulos no seu Sangha (Confraria). Há 2000 anos Cristo sempre prestigiou as mulheres, dialogando com elas, escolhendo-as para anunciar a sua chegada e partida, defendo-as das injustiças dos homens, e escolhendo a maior delas para ser sua Mãe.

Por último temos as palavras de São Paulo, um Iniciado nos antigos Mistérios e que por isso se apresenta como “sábio mestre construtor” (I Cor. 3:10). Assim aconselha ele sobre o trato com as mulheres e os servos: “Porque todos quantos fostes baptizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não macho nem fêmea, porque todos vós sois um em Cristo” (Gal. III, 27, 28).

Parodiando o grande Apóstolo diríamos: “Quem honra as suas insígnias maçónicas perde todo preconceito de nacionalidade, classe social e sexo“ [9].

A Maçonaria de Adopção

Aos Irmãos que nos apontam a Loja ou Maçonaria de Adopção como prova de que ali também se acolhem as mulheres, cabe esclarecer que a Maçonaria de Adopção não é senão um simulacro da verdadeira Maçonaria, quando não uma espécie de engodo. Embora às vezes possa prestar serviços de beneficência social, como qualquer outra associação beneficente, ela não pode outorgar os legítimos privilégios e direitos maçónicos. A propósito, são muito elucidativas as seguintes considerações do II.: e Po d.: Irmão Eduard Gesta, 33°, de Paris:

“Se o homem ou mulher deseja alcançar a Iniciação pela via maçónica, isto só é possível por meio dos ritos simbólicos tradicionais, com exclusão de todos os demais. No tocante a organizações iniciáticas, achando-se assim condenados todos os sistemas que utilizam ritos e símbolos inventados ou fabricados, que não passam de plágios dos da Franco-maçonaria. É o caso não somente da Maçonaria de Adopção, mas também de todas as instituições pretensamente iniciáticas que se proveram de um aparelho simbólico semelhante ao nosso”.

“Limitar-me-ei simplesmente a lembrar que não há senão uma forma de iniciação maçónica, e que não pode haver mais que uma. A mulher que deseje obter a iniciação por esta via, deve ser admitida numa Ordem maçónica que mantenha uma filiação autêntica e que pratique e transmita os ritos tradicionais, como, por exemplo, a Ordem Maçónica Mista Internacional”.

(Bulletin Internacional n° 8, Paris, Dezembro de 1958)

É muito comum as esposas e outras parentes de Irmãos filiados à Maçonaria masculina solicitarem e obterem admissão na Ordem Maçónica Mista Internacional Le Droit Humain. Ali, as mulheres são normalmente muito eficientes e compenetradas no desempenho dos seus cargos e funções, tão bem e não raro melhor que os homens.

Joaquim Gervásio de Figueiredo 33° (Membro da Sociedade Teosófica, já falecido, escritor, autor do Dicionário de Maçonaria, editado pela Editora Pensamento, São Paulo – SP)

Nota: este artigo foi publicado originalmente no livro Panorama Actual da Maçonaria no Mundo – Anais do I Congresso Internacional de História e Geografia, (realizado no Rio de Janeiro de 19 a 21 de Março de 1981), III Volume, publicado pela Academia Brasileira Maçónica de Letras dentro da colecção Pensamento Maçónico Contemporâneo.

Notas

[1] Pequena História da Maçonaria, pp. 13 e 14, Editora Pensamento, São Paulo – SP.

[2] Idem.

[3] Admission of brothers and sisters in the Guild of St. Catherine. …They shall be called forts all those that shall be admitted brethren or sisters of the Guild and the Aiderman shall examine them in these wise: “Sir or Syse, be you willing to be brethren among us in thes Guild? and by their own will they shall answer “Yea” or “Nay”.

[4] No lay for shall bem admitted to the Ghild save only those belonging to some honest craft but all, as well clerks as lay folk and of both sexes, will be received “of good fa nee and conversation”.

[5] Brethren and Sisters were sworn upon a book.

[6] Ghe Master or Dame or any other Free Mason.

[7] Late wiff cf John Paston, Sq, daugster and heir to John Mauteboy, Sq, feb. 4th, 1482.

[8] Scochens at the IIII corners, and in middys of the said stoon I will have a scochen sett of Mautaboy’s armes alone, and under the same these words wretyn: “In God is my trust”.

[9] Mestre construtor é um título usado na tradição oculta bem conhecido dos Maçons; corresponde aos Illuminati (adeptos iniciados dos antigos Mistérios), e aos Rishis da filosofia oriental.

 

Fonte: freemason.pt

By | 2020-03-06T13:43:09-03:00 março 8th, 2020|Notícias|Comentários desativados em A Mulher e a Maçonaria