O que se pode ver?
Basta passar diante de uma escola ou colégio na hora da saída. Os jovens atropelam-se, meninos e meninas misturados, mais apressados uns do que os outros a passar pela porta e reencontrar-se lá fora. A escola oferece-nos o seu fluxo da diversidade; diversidade social, étnica, cultural e, naturalmente, de género (sem mistura de idade e por uma boa razão). Depois, gradualmente formam-se grupos. O movimento organiza-se por grupos de afinidade, onde se observa a separação de género, as meninas e meninos juntos, mas separados, formando pequenos bandos unisex, alguns namorados, embora testemunhas de uma proximidade mista ao redor deles, amiguinhos e amiguinhas. Com a sua liberdade, a juventude agrupa-se; os clãs formam-se rompendo a diversidade do interior da escola.
Os professores saem um pouco mais tarde, a maioria são mulheres.
Vamos agora para um lugar de competição esportiva. Oh, mas as equipes participantes são exclusivamente masculinas ou femininas! Nada de diversidade no campo (excepto no ténis de pares mistos). Os espectadores são na sua maioria homens.
Aqui estão dois exemplos das muitas questões que podem surgir sobre o tema da diversidade de género.
O que precisa de ser entendido como diversidade de género?
Numa sociedade, a diversidade de género traz à mente imediatamente a noção de mistura com base em diferentes critérios: género, nível social, cultura, etnia, religião (ou não), associação a um compromisso político, nacionalidade …
Tendo como alvo de uma reflexão sobre este tema na Maçonaria, ater-nos-emos a somente um critério controverso, que é o do género.
Na sociedade ocidental ainda patriarcal no século XX, a diversidade de género é acima de tudo a vontade das mulheres de entrar em lugares reservados aos homens. Concretamente, trata-se de garantir o acesso das mulheres às mesmas oportunidades, direitos, oportunidades de escolher, condições materiais (por exemplo, acesso igual a cuidados médicos, à partilha de recursos económicos, a mesma participação no exercício do poder político, etc.) que os homens, ao mesmo tempo em que se respeitam as suas especificidades.
Qual é o estado actual da diversidade de género?
A diversidade impôs-se como uma “revolução silenciosa” em conjunto com a evolução dos costumes, sob a influência dos movimentos feministas, que especialmente a partir da década de 1970, pedem à sociedade que olhe para as mulheres de forma diferente. A sociedade torna-se gradualmente mista em todos os lugares de socialização e especialmente na escola.
Com os mandamentos elaborados pelo judaico-cristianismo, formalizando uma moral social, o homem procurou dar-se, em primeiro lugar, deveres de socialização e depois direitos imanentes e superiores, direitos “inerente à sua pessoa, inalienáveis e sagrados”, direitos naturais e, assim, oponíveis em todas as circunstâncias à sociedade e ao poder, através de uma legislação que, hoje, coloca felizmente, em princípio, a separação de poderes religiosos e judiciais, a partir de uma base desenvolvida no século XVIII e que evolui ainda nos nossos dias:
- a primeira geração foi a dos direitos humanos civis e políticos;
- de seguida, a segunda geração, a dos direitos económicos e sociais;
- a terceira geração, a dos direitos de solidariedade;
- a quarta geração a dos direitos globais.
Hoje, os princípios dos direitos humanos tornaram-se, na Europa, os direitos humanos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, comumente chamada Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
A Convenção Europeia dos Direitos Humanos postula uma identidade de regras universais, pois referem-se aos seres humanos. Como uma unidade, podemos dizer que encontramos na Convenção uma supra lei moral dos tempos modernos regendo os diferentes sistemas jurídicos nacionais. Ao contrário de moral religiosa que quer levar o ser humano a “viver juntos” e acima de tudo em direcção a Deus, a moral dos Direitos Humanos protege o Homem contra a sociedade, para lhe permitir viver em igualdade e dignidade.
O artigo 14 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, relativo à proibição de discriminação decreta o seguinte: “O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem discriminação alguma, na razão, designadamente, do género, raça, cor, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”. A igualdade entre mulheres e homens é uma visibilidade, um empoderamento e uma participação igual das mulheres e dos homens, em todos os domínios da vida pública e privada. Assim, a Organização luta contra todas as violações das liberdades e da dignidade das mulheres e tem como objectivo acabar com a discriminação baseada no género.
Em Outubro de 2007, o Comité de Ministros aprovou uma recomendação visando incentivar a adopção de medidas para a implementação da abordagem integrada da igualdade entre mulheres e homens em todos os níveis dos sistemas educativos dos 47 Estados membros do Conselho da Europa.
Qual é a evolução da diversidade de género nos sistemas educativos?
Não nos esqueçamos que as meninas eram proibidas dentro de escolas de ensino médio em 1808. Não nos esqueçamos que foi preciso esperar até 1880 para que as meninas fossem admitidas no secundário e que a Lei Jules Ferry de 1882, que torna obrigatório o ensino para crianças de ambos os sexos dos 6 aos 13 anos, diz que instrução primária deve incluir “para meninos, exercícios militares; para as meninas o bordado“.
A diversidade de género será, então, uma das mais importantes revoluções pedagógicas em França. No entanto, ela fez-se “sem que mesmo se prestasse atenção.”
A diversidade de género no ensino fez as suas primeiras aparições com as grandes escolas nacionais:
1906, a Escola de Chartes; 1912, a Escola Normal Superior de ensino técnico de Cachan; 1917, a Escola Superior de Electricidade; … 1920, a Escola Central e muitas escolas de engenharia; 1945, a Escola Nacional de Administração (embora com reservas à admissão de mulheres em determinados cargos). Após esta data, os Institutos de Estudos Políticos (até então reservados aos homens) abrem-se para as mulheres – a Politécnica em 1970, HEC e St. Cyr em 1975 e a Academia Naval em 1992.
A introdução de diversidade de género nas escolas é mais tardia e permanece tímida até a década de 1960.
A primeira escola mista é o colégio Marcellin Berthelot de Saint-Maur, fundado em 1937. Esta escolha responde, aliás, mais a motivações económicas que ideológicas. Neste meio tempo, durante o ano escolar 1958-1959, apenas 30% das escolas primárias são mistas.
A partir do final dos anos 1950, o governo promove a generalização da educação mista. Em 1959, em particular, o ministro da Educação nacional Jean Berthoin decide construir apenas escolas mistas. Os colégios de ensino secundário (CES) criados pela reforma Fouchet Capelle de 1963 são mistos desde o início. De qualquer forma, os colégios masculinos e colégios femininos ainda permanecem. A evolução da mentalidade é progressiva. Os opositores à diversidade de géneros temem a distracção dos alunos e apelam à seriedade da aprendizagem escolar. Os seus defensores, ao contrário, lembram a curiosidade doentia dos estudantes, exacerbada pela separação de géneros e sustentam que a diversidade promove o enriquecer intelectual mútuo e a formação de personalidades equilibradas. As meninas, que vêem nisto um passo no sentido da igualdade, também estão muitas vezes mais dispostos a ir para escolas mistas do que os rapazes.
Finalmente, os decretos de aplicação da lei Haby de 28 de Dezembro de 1976 tornam a diversidade de género obrigatória no ensino primário e secundário. Hoje, as instituições de ensino privado “do mesmo sexo” acolhem números muito pequenos de alunos.
Em França, só em 1982 o princípio igualitário de educação mista é afirmado oficialmente: um decreto de 12 de Julho sobre a acção educativa contra os preconceitos de género vai além do conceito de diversidade e visa promover uma verdadeira igualdade de oportunidades para raparigas e rapazes e para eliminar qualquer discriminação contra as mulheres. Tratando-se de textos regulamentares, o Decreto nº 90-788 de 6 de Setembro de 1990 sobre a organização e funcionamento das escolas maternais e elementares prevê, no seu artigo 6 que “as classes maternais e elementares são mistas”.
A “diversidade de género” ou “mista” raramente aparece no texto, e está ausente do código de educação.
O Ministério da Juventude, de Educação Nacional e Pesquisa, no entanto, indicou que é possível “considerar que o termo diversidade de género aparece nas entrelinhas em vários textos que evocam a igualdade entre homens e mulheres “.
Diversidade de género é o mesmo que igualdade?
Se a noção de igualdade não é incompatível com a noção de diferença, então podemos considerar que ela só está relacionada com a noção de diversidade de género. Dizer que o direito à educação deve ser o mesmo para meninas e meninos não significa que devemos colocá-los juntos ao mesmo tempo para receber aquela educação. O próprio legislador teve em conta esta diferenciação ao ponto de usar os termos igualdade e diversidade de género separadamente no artigo 1, parágrafo 6º da Lei de 4 de Agosto de 2014, para igualdade real entre homens e mulheres, que afirma que a política implementada deve assegurar a avaliação ”de acções para garantir a igualdade profissional salarial e a diversidade de género nos negócios e profissões”.
A igualdade entre homens e mulheres leva a que vivam juntos em todas as circunstâncias da vida?
Pode-se imaginar equipes desportivas profissionais como as de futebol ou rugby misturando homens e mulheres no campo? quem o faria? Mesmo assim, a justaposição de géneros, não a igualdade de direitos e deveres, é, de facto, o debate dentro da Maçonaria, onde, no entanto, já existem potências mistas desde o final do século XIX.
Como é que a diversidade de género apareceu na Maçonaria?
No início do século XVIII, a educação, o poder e a representatividade eram unicamente masculinas e ainda se duvidava nessa época de que uma mulher pudesse ter uma alma; na verdade, ela era legalmente considerada menor de idade e, portanto, não estava livre da autoridade do seu pai ou marido. Então, como imaginar uma mulher na Maçonaria! Nós entendemos melhor por que, nas constituições fundadoras, a maçonaria era-lhes proibida. A Maçonaria era um reflexo da sociedade da época. De se notar que, naquela época, não havia naturalmente judeus na Maçonaria, uma vez que estes, como as mulheres, estavam excluídos de direitos civis antes da Revolução Francesa. Nenhum regulamento maçónico precisava de especificar o que ia para além disto.
Foi no final do século XIX, em França, que aparecereu pela primeira vez uma verdadeira Maçonaria mista. De facto, até então, as formas femininas ou mistas de maçonaria permaneciam:
- anedóticas (alguns poucos casos isolados, como o de Elizabeth Aldworth [1])
- marginais (Maçonaria Egípcia de Cagliostro)
- sujeitas às lojas masculinas aristocráticas (as lojas de adopção)
- ou para-maçónicas nos seus ritos e práticas (a Ordem da Estrela do Oriente [2])
Além do caso excepcional de Elizabeth Aldworth (iniciada em 1712), não foi senão em 14 de Janeiro de 1882 que a Loja Maçónica ”Livres Pensadores de Pecq” confere a iniciação a uma mulher, Maria Deraismes. Esta, mulher de letras reconhecida, jornalista comprometida era uma oradora talentosa. O evento é importante porque é a primeira vez que uma mulher é iniciada Maçon com o ritual anteriormente reservado aos homens.
De facto, relata o jornal Le Matin de 4 de Abril de 1893, esta foi uma cerimónia em que a postulante introduzida com os olhos descobertos no templo, viu por todas as provas, o venerável descer do Oriente, e “vir apresentar os seus respeitos”. A Grande Loja Simbólica Escocesa ao qual a Loja pertencia, desagradada com esta a iniciativa, adormeceu-a.
A iniciação de Maria Deraismes poderia ter sido apenas um episódio sem consequências. E isto só não aconteceu graças aos esforços do Dr. Georges Martin. Após Janeiro de 1882, Maria Deraismes não assiste a nenhuma reunião maçónica. No entanto, a ideia da admissão de mulheres na Maçonaria continua a fazer o seu caminho, defendida desde há muito tempo por Leon Richer. Georges Martin, que era membro de uma Loja da Grande Loja Simbólica Escocesa fez duas tentativas para levar esta obediência a tomar a decisão: em 1890, ele propôs que a sua loja “A Jerusalém escocesa” criasse, em paralelo, uma loja que admitisse mulheres. Em 1891 ele envia um pedido à G∴ L∴ S∴ E∴ para que cada loja desta obediência seja livre para se autodeterminar; em vão. Georges Martin decide agir de forma diferente: ele decide fundar uma loja mista independente e, assim, a partir de 1 de Junho de 1892, Maria Deraismes reúne em sua casa um certo número de mulheres. Em 4 de Março de 1893, elas tomam a decisão de criar uma Loja mista. Isto será feito em etapas:
- em 14 de Março de 1893 procede-se a iniciação de 17 mulheres;
- em 24 de Março e 1 de Abril elas são elevadas ao 2º e 3º graus,
- em 4 de Abril, a loja mista é criada.
Ela assume o título distintivo da Grande Loja Simbólica Escocesa de França do Direito Humano; os seus estatutos são arquivados em Maio na prefeitura de Seine. Maria Deraismes é a sua venerável, Clemence Royer, venerável honorário e Georges Martin, orador. O Rito Escocês Antigo e Aceito foi o escolhido. A G∴ L∴ S∴ E∴ de França, como qualquer Grande Loja, inclui apenas os três primeiros graus. Para chegar a outros graus, ou seja, os Altos Graus, os maçons deverão procurar outra obediência. São criadas Loja em Blois, Lyon, Rouen, Paris e Zurique. Em 16 de Maio de 1896 os estatutos são modificados. A obediência torna-se G∴ L∴ S∴ E∴ Mista. Podiam então parar por ali, somente com os três primeiros graus? Em 1899, o irmão Decembre-Allonier confere o grau 33 a dez maçons do Direito Humano, o que permite, em Maio de 1899, constituir um Supremo Conselho. Em 1901, a G∴ L∴ S∴ E ∴ Mista deu lugar à Ordem Maçónica Mista e Internacional do Direito Humano administrada pelo Supremo Conselho. À diversidade de género e o internacionalismo acrescenta-se a continuidade iniciática, pois todas as oficinas do grau 1 ao grau 33 reúnem num mesmo conjunto piramidal.
As mulheres, ou melhor a diversidade de género penetrou na fortaleza maçónica; elas agora têm o título de irmãs.
E desde então, existem outras potências mistas?
Será preciso esperar até Fevereiro de 1973 para observar a criação de uma outra obediência mista. Três lojas do Direito Humano, “Lucie Delong”, “Marie Bonnevial” e “Le Devoir”, seguidas por uma centena de membros, abandonam a rue Jules Breton e fundam uma nova obediência, a Grande Loja Mista Universal. A direcção deste grupo é assumida pela Irmã Eliane Brault e pelo irmão Raymond Jalu. Em 1982, ocorrerá uma cisão na Grande Loja Mista de França.
Contudo, deve-se observar que, neste meio tempo, duas potências estritamente femininas, a Grande Loja Feminina de França (1952) e a Grande Loja Feminina de Memphis Mizraim (1971) são criadas.
Para fazer o quê com a diversidade de género?
Tentemos identificar como as potências mistas abordam a sua especificidade.
Desviando-se da sua apresentação, certas potências mistas consideram tão natural associar homens e mulheres em lojas, que elas não se justificam como mistas – elas aparecem como tal, seja porque se declaram, como o faz a Grande Loja Mundial de Misraim, “é uma Ordem (mista desde 1785)”, ou porque os seus membros são designados por “irmãos e irmãs”.
Grande Loja Mista Universal: A diversidade de género é afirmada como total. “O desejo de estabelecer a igualdade entre homens e mulheres implica para nós a escolha de um trabalho comum, e por isso as nossas Lojas são mistas”.
Ordem Iniciática e Tradicional da Arte Real: As lojas da O∴ I∴ T∴ A∴ R∴ podem ser masculinas, femininas ou mistas. De facto, uma grande maioria das Lojas desta potência são mistas. Todas as Lojas mistas ou não mistas são obrigadas a receber, sem discriminação, qualquer visitante, Irmã ou Irmão, reconhecido como Maçon regular.
Grande Oriente Tradicional do Mediterrâneo,especificamente reconhece a iniciação feminina, em nome da dimensão universal da Maçonaria.
Grande Loja Independente e Soberana dos Ritos Unidos: A diversidade de género é uma posição de princípio, fundada no reconhecimento da complementaridade entre homens e mulheres e, portanto, sobre o enriquecimento mútuo que cada metade da humanidade pode, e deve trazer à outra. “Para nós, trata-se, portanto, de valorizar a prática da diversidade de género, graças à qual Irmãos e Irmãs, sem se prevalecer, mas também sem negar os valores próprios do seu género, beneficiam-se do confronto de diferenças”. Por uma abordagem iniciática comum, eles afirmam assim os seus caracteres específicos, sem cair jamais num nivelamento assexuado destinado a apagar toda a particularidade. No entanto, “levando em conta o respeito pela tradição, a diversidade de género das nossas oficinas respeita as regras próprias de cada rito. Assim, as Lojas colocadas sob a autoridade do Regime Escocês Rectificado são estritamente masculinas conforme exigido pela tradição deste rito e é, obviamente, evidente o mesmo para o Rito Feminino, diz Constante Chevillon, cujo próprio nome circunscreve bem a quem é oferecido”.
Mistas sim, mas não demais, centrais nucleares, sim, mas não grandes demais! De facto, vemos aqui a relação ambígua do princípio da diversidade com a noção de ritual.
A exclusão das mulheres tornou-se uma fraqueza, um arcaísmo, uma fixação neurótica. Enquanto os Irmãos “três pontos” se gabam, na esteira dos movimentos feministas dos anos 1960 e 1970, de ter contribuído para a liberalização da contracepção e do aborto, a proporção de mulheres nos templos não passava de 9 a 17% depois de trinta e cinco anos, sendo 7 a 13% de maçons em lojas mistas, e de homens em lojas mistas de 3 a menos de 8%! Isto significa que, sob o avental, o “sexo forte” julga perturbadora a companhia do “belo sexo”!
Por Solange Sudarskis
Adaptado de tradução feita por J. Filardo
Nota: Solange Sudarskis, antiga professora da Universidade de Lyon, Claude Bernard, foi iniciada em 1977 na Loja da Ordem Maçónica Droit Humain, “Evolution et Concorde”. Membro fundador da Loja da Ordem Maçónica Droit Humain “L’arbre de Liberté”, tem publicados vários livros maçónicos.
(continua) – Link para a parte II
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